SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pouco antes de se encontrar com os enviados de Donald Trump para discutir uma saída para o conflito que iniciou em 2022 na Ucrânia, o presidente Vladimir Putin voltou suas baterias para os aliados de Kiev no continente europeu. “Se a Europa quiser lutar conosco de repente, estamos prontos agora mesmo”, afirmou.
O líder russo falava a jornalistas e a uma plateia de empresários num evento em Moscou, enquanto o negociador Steve Witkoff e o genro de Trump Jared Kushner esperavam para encontrá-lo no Kremlin.
Putin ainda disse que os europeus seriam derrotados e “não sobraria ninguém” para negociar uma eventual paz. Os comentários foram feitos a um repórter que o questionou acerca de uma fala do chanceler húngaro sobre o risco de um conflito com Moscou.
Putin também se queixava das mudanças sugeridas pelos europeus no plano de paz que havia sido desenhado por Witkoff e o negociador russo Kirill Dmitriev, que era francamente favorável ao Kremlin, apesar de o presidente ter negado sua paternidade.
Entre elas estavam deixar em aberto a possibilidade da entrada da Ucrânia na aliança ocidental Otan e o não reconhecimento internacional dos cerca de 20% do território ucraniano que Putin ocupa.
As demandas, disse, são “absolutamente inaceitáveis” e visam sabotar as negociações. Ele voltou a dizer que a Rússia não quer entrar em conflito com a Europa, mas mudou o tom ao dizer que está pronto para isso.
Com isso, aumenta a pressão sobre os aliados de Kiev, buscando alinhamento direto com Trump e buscando pintar a Europa como adversária de ambos. Na visão russa, os europeus querem a continuidade da guerra para minar Moscou, o que por óbvio eles negam.
O discurso belicista europeu vem crescendo desde que Putin atacou a Ucrânia, com um movimento de rearmamento em curso. O problema disso é o tempo, dado que até aqui a Europa contava com o que considerava proteção automática dos Estados Unidos, algo que o republicano não parece disposto a fornecer.
Com isso, diversos governos europeus já preveem algum tipo de conflito, senão uma guerra aberta, com a Rússia até 2030. Na elite moscovita, isso é visto por alguns como algo que pode acontecer antes do fim do mandato de Trump, em janeiro de 2029.
Putin está revigorado pelo anúncio feito na véspera da mais importante vitória militar em quase dois anos, a tomada de Pokrovsk, centro logístico das forças de Kiev na região de Donetsk, joia da coroa da lista de desejos territoriais do russo.
Zelenski insinuou que a conquista e outros avanços importantes, como a ocupação de Vovtchansk (norte), eram exageros. Mais tarde, seu Estado-Maior afirmou que as derrotas “não correspondiam à realidade” e o comando local ucraniano em Donetsk disse que ainda lutava em áreas no norte de Pokrovsk.
O chefe do Kremlin, por sua vez, disse nesta terça que o seu Exército “estava em total controle” do local. Segundo analistas militares ucranianos e russos, contudo, os dados disponíveis indicam um fato consumado em favor do Kremlin na região. Como sempre no conflito, uma figura mais clara só irá emergir em alguns dias.
A queda de Pokrovsk, se for um fato, sinaliza a abertura de um caminho para a Rússia avançar sobre os 15% restantes que não controla de Donetsk, 1 das 4 regiões que Putin anexou ilegalmente em 2022 e que cuja posse e reconhecimento como suas é uma de suas demandas.
O russo busca uma posição de força, ao gosto da política defendida por Trump nesta terça, disse ter tomado mais duas vilas no sul do vizinho. Ele também ameaçou “isolar a Ucrânia do mar” após dois ataques contra navios mercantes russos em poucos dias. “Assim não haverá pirataria”, disse. Ele também afirmou que iria “tomar medidas” contra petroleiros de nações que apoiam Kiev, mas sem especificar
O clima otimista, verdadeiro ou não, espera os americanos em Moscou com o presidente convencido pela linha-dura do Kremlin que pode impor condições por ter a mão mais pesada no campo de batalha.
Antes de se encontrar com Putin, a dupla americana se reuniu com Dmitriev. Fiel a seu estilo mascate, o russo postou nesta terça um vídeo feito com inteligência artificial defendendo a ideia do “túnel Putin-Trump”, uma obra que ligaria o Alasca à Rússia. Foi uma referência pouco sutil à sua defesa de oportunidades de negócios caso haja paz.
Zelenski e os europeus temem ser escanteados novamente da discussão. O ucraniano havia reagido ao plano inicial com apoio de aliados europeus e conseguiu fazer o que chamou nesta terça de versão refinada em duas etapas, ocorridas nos dois últimos domingos em Genebra e, depois, na Flórida.
Ele, que está na Irlanda após visitar a França, escreveu no X que é vital manter os parceiros do continente à mesa nas negociações, algo a que Trump dá pouca importância.
Para agravar sua situação, Zelenski enfrenta um enorme escândalo de corrupção no setor de energia de seu governo, que nesta terça derrubou mais uma autoridade em Kiev. A principal vítima até aqui, embora não esteja clara a acusação, foi seu poderoso chefe de gabinete, Andrii Iermak, que liderava as negociações de paz.
Nesta terça, Zelenski disse que “esta é a melhor oportunidade para a paz” e que está pronto para discutir com os americanos os termos debatidos em Moscou. Ao mesmo tempo, afirmou que não haverá acordo sem “decisões difíceis” e que não permitirá que sejam feitos arranjos “pelas costas da Ucrânia”.
Ele voltou a pedir o uso de ativos russos congelados no exterior para armar Kiev e para a reconstrução do país, mas o plano enfrenta oposição.
Segundo o jornal britânico Financial Times, o Banco Central Europeu rejeitou o plano da União Europeia de usar as reservas de US$ 300 bilhões, a maior parte num fundo belga, como garantia de um empréstimo de US$ 160 bilhões aos ucranianos. O órgão considera que a tomada do dinheiro seria ilegal, como afirma Moscou.



