SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça paulista rejeitou o recurso da médica Alessandra Araújo Gomes e manteve sua condenação por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) em razão da morte do bebê Pedro de Assis Cândido, de um ano de idade, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. O bebê, de acordo com a Justiça, morreu após “intenso sofrimento” por mais de seis horas.

A defesa da médica afirma que vai recorrer. Ela recebeu uma pena de um ano e nove meses de prisão em regime aberto, mas a punição foi substituída pela prestação de serviços à comunidade e o pagamento de cem salários-mínimos à família (R$ 151,8 mil).

OUTRO LADO

O caso ocorreu em 2018. Após receber o diagnóstico de uma doença chamada DGC (doença granulomatosa crônica), Pedro Cândido foi internado no Sírio para fazer um transplante de medula óssea. Trata-se de um distúrbio de origem genética que provoca uma disfunção nos fagócitos. As pessoas com essa doença não têm capacidade para combater bactérias e fungos.

De acordo com a denúncia feita pelo Ministério Público, no hospital o bebê recebeu uma dose de timoglobulina em preparação para o transplante. Mas logo ele começou a demonstrar sinais de incômodo, que se transformaram em dores intensas, com choro incontrolável e gritos de desespero.

Os pais afirmam que imploraram pela presença de um médico, mas que eles surgiram apenas quando houve uma parada cardiorrespiratória, horas depois. Mesmo assim, dizem, ele não foi transferido imediatamente para a UTI por “falta de vagas”, recebendo duas doses de morfina. Posteriormente, sofreu outra parada cardiorrespiratória, morrendo na manhã seguinte.

Os advogados Leonardo Pantaleão e Laryssa Castro, que representam os pais do bebê, disseram à Justiça que a médica agiu com “negligência”.

“Embora tenha sido acionada remotamente pela equipe de enfermagem em ao menos cinco momentos e estando supostamente presente no hospital em uma dessas ocasiões, a profissional optou por não se deslocar ao quarto onde o paciente estava internado, não solicitar exames e não acionar outro médico plantonista para realizar uma avaliação clínica, limitando-se, apenas, a autorizar a administração de medicações sintomáticas a distância”, afirmaram na ação.

Condenada em primeira instância em maio deste ano, a médica recorreu, mas os desembargadores do Tribunal de Justiça confirmaram a decisão em 26 de novembro.

A desembargadora Isaura Barreira, relatora do processo, disse na decisão que as provas evidenciam que os sinais clínicos (dor abdominal progressiva e persistente, palidez e aumento volumétrico do abdome, entre outros) “alcançaram um grau de gravidade que impunha a atuação médica imediata”.

“Com a atuação médica adequada, a vítima não teria suportado tamanho sofrimento por período tão longo”, afirmou. Segundo a desembargadora, houve negligência médica. A magistrada disse na decisão que o caso poderia ter tido outro desfecho ou, ao menos, o bebê não teria sofrido tanto.

“O relato do pai da vítima expõe que a criança permaneceu por horas sofrendo alterações progressivas sem a presença médica efetiva, que houve tentativas reiteradas de comunicação sem sucesso e que o quadro evoluiu a óbito após longa sequência de sofrimento e de acionamentos tardios da equipe de resposta”, acrescentou.

O QUE DIZ A DEFESA DA MÉDICA

Em nota enviada à Folha de S.Paulo, os advogados Douglas Goulart e Rinaldo Lagonegro Jr, que representam a médica Alessandra Gomes, disseram que a 7ª Câmara Criminal do Tribual de Justiça “não decidiu conforme o costumeiro acerto”. Segundo eles, o TJ desconsiderou a existência de ampla prova testemunhal e documental que isenta a médica de culpa

“A dra. Alessandra é reconhecidamente uma das maiores especialistas em sua área de atuação e, neste caso, sofreu responsabilização indevida por fatos ocorridos durante seu período de ausência da unidade hospitalar após cumprir um extenso plantão, sem que tivesse acesso a dados que indicassem alteração do estado do paciente”, afirmaram.

De acordo com os advogados, “ao ignorar a validade das informações registradas no prontuário médico pela equipe de enfermagem que acompanhava o paciente em momento integral, em especial a ausência de alerta à dra. Alessandra sobre alteração dos sinais vitais do paciente, o Tribunal de Justiça também desconsiderou a capacitação legal dos profissionais de enfermagem como colaboradores necessários à atuação médica”.

Os advogados disseram ainda que o TJ ignorou ainda o posicionamento da própria perita judicial que, “questionada pela defesa, manifestou-se expressamente no sentido da impossibilidade de fixação de responsabilidade individual sobre o evento que, conforme a literatura médica, remete a uma fatalidade natural à doença enfrentada”.

A médica, um outro profissional (Vanderson Rocha) e o hospital já haviam sido condenados em processo cível a pagar uma indenização à família. Em julho, foi assinado um acordo segundo o qual eles se comprometeram a pagar R$ 2,9 milhões à família.

À Folha de S.Paulo a família disse não se conformar com a atuação do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), que até hoje não teria concluído um processo administrativo que apura a conduta da médica.

Segundo a família, tudo ocorre sob segredo, “não se sabe nada do que acontece lá dentro”. Os familiares disseram que parece que a entidade apenas espera que as pessoas esqueçam de tudo.

A reportagem procurou o Cremesp, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.