SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores ligados à Universidades da Califórnia, nos Estados Unidos, conseguiram, pela primeira vez, produzir o pigmento do polvo em quantidade considerável. O feito foi possível a partir de bactérias geneticamente modificadas.
O pigmento chamado xantomatina tem despertado a curiosidade de cientistas por sua capacidade de mudança de cor. Além de ter uma importante função na camuflagem de polvos e lulas, ele é encontrado com frequência nos olhos de insetos.
A substância costuma ser obtida por meio da extração do tecido animal ou da síntese química, processo que consiste em transformar uma substância já disponível no mercado no pigmento. Mas, até o momento, não havia sido possível aumentar a produção da xantomatina para uma quantidade considerável.
Com o artigo, que saiu no mês passado na Nature Biotechnology, os pesquisadores trouxeram uma nova técnica que pode servir não apenas para tornar mais eficiente a produção da xantomatina, como também de outras substâncias presentes na natureza, diz o professor da biologia marinha da UFF, Renato Crespo.
Os autores do estudo conseguiram produzir entre 1 e 5 gramas do pigmento por litro, enquanto abordagens tradicionais conseguem cerca de cinco miligramas por litro.
O trabalho usou bactérias geneticamente modificadas para produzir o pigmento. Isso por si só não é novidade, mas o processo costuma não ser eficiente em razão do custo metabólico para o organismo. No artigo, os pesquisadores descrevem que encontraram uma forma de associar a produção da xantomatina ao crescimento do organismo.
Eles criaram uma bactéria com deficiência em uma substância. Ao produzi-la para crescer, o organismo sintetiza também a xantomatina. “Essa abordagem, então, força a célula a produzir xantomatina para sobreviver, não é apenas um como uma via extra, mas uma parte central da própria viabilidade celular”, explica Crespo.
Na visão do professor, o artigo contribui para o fim do gargalo de como produzir substâncias advindas de animais marinhos em larga escala. “O artigo é realmente fantástico em termos de inovação”, opina.
O uso de bactérias, nesse caso, é interessante pela facilidade de reprodução e cultivo desses organismos. Criar alternativas para produção desses compostos ajuda a reduzir a pressão em torno dos animais.
Por enquanto, a xantomatina não conta com uso comercial estabelecido e tem sido adotada em laboratórios para estudar coloração, fisiologia de inseto e bioquímica. Mas o pigmento pode ter potencial na produção de filtros solares, por exemplo, já que os insetos o usam como mecanismos de proteção contra a radiação ultravioleta, destaca Crespo.
De acordo com o artigo, a xantomatina pode ter aplicações para dispositivos eletrônicos, revestimentos de controle térmico e corantes. Um estudo publicado na revista científica ACS Sensors em 2022 descreveu a fabricação de um relógio capaz de medir e gerenciar a exposição das pessoas ao sol. Para isso, os autores usaram xantomatina depois de descobrirem que os sensores feitos do pigmento mudam da cor amarela para a vermelha na presença de luz solar intensa.
Renato Crespo faz a ressalva de que, apesar dos méritos do trabalhos, ainda não é possível cravar se a técnica possibilitará escalar a produção de xantomatina, uma vez que há outros desafios nessa etapa.
Por exemplo, será necessário saber quais aplicações precisam de um alto grau de pureza da substância, o que pode exigir diversas tecnologias e processos. O nível de pureza está associado ao quanto a substância de interesse está misturada com as demais.
Além disso, os pesquisadores precisam verificar se, em larga escala, as gerações de bactérias que seguirem aquelas com os genes modificados vão manter as mesmas características.
Embora ainda existam desafios por vir na produção em larga escala, Crespo relata que ele próprio tem interesse em testar o método para sintetizar a substância elatol, com a qual vem trabalhando nos últimos 30 anos.
O composto atrai interesse comercial como anti-incrustante e pode ser usado em embarcações, por exemplo. O elatol pode ser extraído de uma alga, mas são necessários muitos indivíduos para produzir uma pequena quantidade da substância, o que torna uma grande produção inviável.



