BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma proposta apresentada pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente) para criar duas unidades de conservação na região do Bico do Papagaio, no encontro das águas dos rios Tocantins e Araguaia, passou a ser alvo de preocupação em órgãos do governo que respondem pelas áreas de logística e navegação.
A iniciativa da pasta liderada por Marina Silva prevê que seja criada uma APA (Área de Proteção Ambiental) com 112,7 mil hectares e um Monumento Natural de 4.039 hectares em um território que abriga ecossistemas sensíveis e sítios arqueológicos. Localizadas no bioma amazônico e numa área de transição com o cerrado, o território delimitado equivale ao tamanho de cidades como Belo Horizonte (MG).
O objetivo do MMA é preservar uma área considerada de alta prioridade para conservação que tem sido alvo de forte pressão minerária e degradação em geral. Uma minuta do decreto para a criação das unidades, inclusive, já está pronta.
A questão é que a proposta de delimitação das unidades, segundo avaliações de órgãos como o MPor (Ministério de Portos e Aeroportos), Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), Infra SA e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), se sobrepõe a áreas consideradas essenciais para hidrovias federais.
A Folha de S.Paulo teve acesso a uma série de avaliações que estes órgãos fizeram sobre o assunto.
Duas das principais rotas nacionais de navegação interior, as hidrovias do Tocantins e Araguaia cruzam exatamente os polígonos desenhados para as duas unidades de conservação. No caso do Monumento Nacional proposto, este ficaria no “corredor” formado pela confluência dessas hidrovias, região que abriga, inclusive, um local planejado para um porto público de pequeno porte, em São João do Araguaia (TO).
O receio dos órgãos de transporte é que as regras das unidades possam afetar a manutenção da navegabilidade, além da implantação de obras, operação de estruturas já licenciadas e a futura concessão de hidrovias.
O MMA fez uma consulta prévia aos órgãos de transporte. A Antaq, ao analisar a proposta, alertou que, desde o ano passado, firmou acordo com o BNDES para fazer a concessão da hidrovia do rio Tocantins no ano que vem.
“Temos algumas ressalvas e proposições”, afirmou a agência. Não há pedido de veto, mas de alterações no texto do decreto, para que seja garantida a atuação do Dnit e da Antaq e que “não haja restrição à navegação no rio Tocantins e no rio Araguaia, bem como as ações de manutenção, melhoria e investimentos em infraestrutura e serviços hidroviários”.
O MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) afirmou que a proposta se conecta ao plano de criação de outra unidade de conservação na região (APA do Paleocanal do rio Tocantins). “Observa-se, portanto, a clara intenção do MMA de transformar toda a extensão da hidrovia do rio Tocantins em unidade de conservação”, afirmou.
Segundo o MPor, a proposta “apresenta diversos potenciais conflitos de interesse”. A pasta cita, inclusive, os argumentos usados pelo próprio MMA para defender seu plano de criação, o que inclui o “avanço de grandes empreendimentos de infraestrutura” como “a implantação da hidrovia Tocantins-Araguaia, que deverá explodir pedrais naturais do rio Tocantins, dragar o leito do rio, e causar impactos diretos sobre os ecossistemas hídricos”.
O MPor dá sinal verde ao plano de criação das unidades, desde que sejam feitas mudanças no texto. “As alterações propostas buscam assegurar a necessária compatibilização entre os objetivos de conservação ambiental da Área de Proteção Ambiental e o Monumento Natural do Bico do Papagaio e as atribuições legais do setor de transportes aquaviários”, diz.
O decreto final está em análise pelo MMA. Por meio de nota enviada à reportagem, a pasta declarou que seu objetivo é “promover o ordenamento territorial, a conservação ambiental e a segurança hídrica, de forma articulada ao desenvolvimento sustentável da região”.
“As APAs são unidades de conservação de uso sustentável que permitem propriedades privadas e a continuidade de atividades econômicas, inclusive empreendimentos de grande porte. Elas buscam proteger a biodiversidade, orientar a ocupação do território e garantir a manutenção de atividades estratégicas, como navegação, logística, portos, sinalização náutica e dragagem”, afirmou o MMA.
De acordo o ministério, a criação das unidades não impedirá a implementação ou continuidade de obras e serviços hidroviários e que, no caso específico da “APA do Paleocanal do Rio Tocantins”, também solicitada, “não há sobreposição com a área do derrocamento do Pedral do Lourenção, localizada em unidade de conservação estadual já existente.
“O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima mantém diálogo permanente com órgãos de infraestrutura e transportes como o Ministério dos Transportes, MPOR, ANTAQ e DNIT para assegurar que a conservação ambiental ocorra de forma integrada ao desenvolvimento logístico, garantindo previsibilidade, sustentabilidade e qualidade de vida à população regional”, declarou.
O Dnit afirmou que “identificou a necessidade de obter informações complementares para checar eventuais interferências com a infraestrutura”.
“O processo segue para a análise sobre a existência ou não de impedimento à criação das unidades de conservação, com previsão para conclusão até o final deste ano”, declarou.
O órgão afirmou que “suas manifestações técnicas observam, como premissas, o respeito aos limites da faixa de domínio das infraestruturas de transporte, a preservação das condições de operação e segurança e a garantia de continuidade das ações de manutenção e de possíveis ampliações futuras”.



