SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Criador de “Wicked”, um dos maiores sucessos entre os musicais contemporâneos, o compositor Stephen Schwartz afirmou categórico que a técnica que criou para contar a história da disputa entre as duas fadas foi diretamente influenciada por “Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos”, peça escrita pelo britânico de origem tcheca Tom Stoppard a partir de dois personagens do clássico “Hamlet”, de William Shakespeare.
“Tomar uma história conhecida e distorcer tudo para conseguir uma nova abordagem foi algo que aprendi com a peça de Stoppard”, afirmou Schwartz, numa entrevista deste ano, quando veio ver a montagem brasileira da sua obra.
Conhecido pelas histórias inteligentes e engenhosas que criou para cinema, televisão, rádio e, especialmente, teatro, sua base natural, Tom Stoppard, que morreu no último sábado, aos 88 anos, no Reino Unido, conhecia bastante dos segredos de mostrar as rachaduras de uma relação das mais simples às mais complicadas.
Sua maior habilidade estava em criar diálogos, algo que afirmava ser intuitivo. Mas as estruturas de suas peças, habitualmente complexas mas com a capacidade de entreter enquanto desvendavam algum enigma moral ou intelectual obscuro, moldaram o teatro britânico por seis décadas.
Em peças como “Jumpers”, de 1972, “Travesties”, de 1974, e “Arcadia”, de 1993, Stoppard tratou de questões morais e filosóficas. Mas, decidido a não afastar o público, jamais se esqueceu que sua função primordial era entreter.
Mesmo assim, não entregava um produto facilmente digerível. Em “RocknRoll”, de 2006, por exemplo, o texto nada corriqueiro traz referências históricas bem colocadas, além de um incrível uso de músicas de Bob Dylan, Rolling Stones, Velvet Underground e, claro, dos Beatles. Tudo isso para mostrar a desestruturação do comunismo no leste europeu. E Stoppard utiliza o rock para mostrar que a música, afinal, é bem mais potente que uma discussão acadêmica.
Foi a peça que mais se aproximou de uma autobiografia. Nascido em 1937 na então Tchecoslováquia, ele ganhou a nacionalidade britânica oito anos depois, quando sua mãe se casou com um major britânico. Assim, “RocknRoll” busca mostrar o que teria sido sua juventude se tivesse continuado a viver na Tchecoslováquia. É o que explica a série de contrastes entre as sociedades capitalista representada pelo Reino Unido e a comunista do seu país natal, entre dois sistemas de pensamento.
Fascinado por Shakespeare no início da carreira, Stoppard também rendia homenagem a Samuel Beckett, o dramaturgo irlandês que disse que “toda palavra é como uma mancha desnecessária no silêncio e no nada”. Sua admiração era tamanha que Stoppard temia que os críticos que assistissem a “Rosencrantz e Guildenstern” o acusassem de plágio.
“Ver Esperando Godot foi uma experiência incrível para mim, e teve a ver com a redefinição da validade teatral”, disse ao diretor Richard Eyre, como lembrou recentemente a imprensa britânica. “Eu simplesmente amei a sutileza das piadas, as pequenas mudanças de ênfase que faziam você sorrir.”
Stoppard era mais lembrado pelo roteiro do filme “Shakespeare Apaixonado”, de 1998, que dividiu com Marc Norman e que valeu um Oscar de melhor roteiro original para a dupla apenas um dos sete que levou, incluindo o de melhor filme. O longa é, acima de tudo, uma emocionante declaração de amor ao teatro.
Sua última peça, “Leopoldstadt”, de cinco anos atrás, narra a história de uma família judia em Viena durante a primeira metade do século 20 que acredita estar tão assimilada que não corre perigo com a chegada dos nazistas. Estão enganados. A montagem da Broadway ganhou o Tony de melhor drama em 2022. Segundo o jornal The New York Times, a trama é um memorial a um mundo perdido.
Quando esteve em Paraty, no litoral fluminense, em 2008, convidado pela Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, Tom Stoppard, que dividiu uma mesa com Luis Fernando Verissimo, deu pistas sobre seu fazer dramatúrgico.
“Quando era mais jovem, eu me preocupava em detalhar como deveria ser o cenário, a sonoplastia, o trabalho artístico, enfim”, afirmou. “Com o tempo, descobri que existem profissionais mais capazes para realizar esse trabalho. Atualmente, em minhas peças, coloco apenas algumas pistas para inspirar os artistas.”



