SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Casa Branca admitiu, nesta segunda-feira (1º), que os Estados Unidos conduziram dois ataques a uma lancha no Caribe no dia 2 de setembro -o primeiro de uma série de bombardeios a embarcações acusadas por Washington de carregar drogas.
Questionada por jornalistas, a porta-voz da Casa Branca Karoline Leavitt afirmou que o almirante Mitch Bradley foi o responsável pelo segundo ataque à embarcação. A declaração importa porque esse bombardeio teria matado sobreviventes, de acordo com relatos na imprensa americana nos últimos dias. A gestão vinha negando as informações.
“O almirante Bradley agiu dentro dos limites de sua autoridade e da lei que regeu a operação, garantindo a destruição da embarcação e a eliminação da ameaça aos Estados Unidos da América. E gostaria de acrescentar mais um ponto para lembrar ao público americano o motivo pelo qual esses ataques letais estão ocorrendo: porque esta gestão designou esses narcoterroristas como organizações terroristas estrangeiras”, afirmou ela.
Na sexta (28), uma reportagem do The Washington Post afirmou que o secretário de Defesa, Pete Hegseth, deu uma ordem verbal, segundo duas pessoas com conhecimento direto da operação, para “matar todos” a bordo. Após o primeiro ataque, dois sobreviventes apareceram agarrados aos destroços e foram mortos em um bombardeio subsequente, de acordo com o jornal americano e o site The Intercept.
O direito internacional, no entanto, não permite ataques contra pessoas que não ofereçam perigo iminente a não ser que se tratem de combatentes inimigos em um contexto de conflito armado -o que não é o caso no Caribe. Mesmo que os EUA estivessem em guerra com os traficantes, aliás, a segunda ordem seria um crime de guerra, uma vez que combatentes feridos têm direito a proteção.
Legisladores dos dois partidos pressionam a Casa Branca ao apoiar revisões do Congresso sobre a ofensiva militar americana na região. Em entrevistas a emissoras, parlamentares afirmaram que, se a ordem de matar todos a bordo foi dada, ela foi ilegal e, portanto, passível de punição.
“Se for verdade, chega ao nível de um crime de guerra”, afirmou o senador democrata Tim Kaine em entrevista à rede CBS. Já o deputado republicano Mike Turner ressaltou investigações abertas por comissões no Congresso e reforçou a ilegalidade do suposto ato. “Obviamente, se isso ocorreu, seria algo muito grave, e concordo que seria um ato ilegal”, afirmou.
Tropas americanas realizaram pelo menos 21 ataques a supostos barcos de drogas no Caribe e no Pacífico desde setembro, matando pelo menos 83 pessoas. O governo não apresentou provas de que as embarcações carregavam drogas nem interceptou ou interrogou os suspeitos.
Mesmo sob pressão, Hegseth satirizou os ataques nesta segunda ao publicar na rede social X uma ilustração satírica de uma tartaruga, de dentro de um helicóptero, atirando em barcos na água. “Franklin alveja narcoterroristas”, lê-se no desenho.
A frase é uma referência à franquia canadense “Franklin the Turtle”, ou “Franklin, a Tartaruga”, cujos livros são normalmente intitulados com questões do mundo infantil, como “Franklin vai à escola” ou “Frankling quer um animal de estimação”. “Para a sua lista de pedidos de Natal”, escreveu Hegseth, marcando o Comando Sul dos EUA na publicação.
Os bombardeios são vistos amplamente como uma forma de pressionar a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela -que será tema de uma reunião entre Trump e seus principais assessores na tarde desta segunda.
Devem participar, segundo a agências de notícias Reuters e a emissora americana CNN, Hegseth, Marco Rubio (Estado), Susie Wiles (chefe de gabinete), Stephen Miller (vice-chefe de gabinete) e o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Dan Caine.
A reunião ocorre após o próprio republicano confirmar que conversou por telefone com Maduro. “Eu não quero comentar sobre isso. A resposta é sim”, disse a jornalistas a bordo do avião presidencial, quando perguntado se havia conversado com o venezuelano.
Segundo o The New York Times, os dois líderes teriam discutido a possibilidade de Maduro visitar os EUA e se encontrar com Trump -o ditador é oficialmente procurado pelas agências antidrogas americanas como suposto líder de uma facção de narcotraficantes, o que ele nega. Pessoas próximas ao regime venezuelano disseram ao jornal americano que não havia visita programada.
Enquanto isso, na Venezuela, a Assembleia Nacional suspendeu uma sessão extraordinária que debateria a formação de uma comissão para investigar os ataques. Segundo o gabinete de imprensa da assembleia, a sessão foi reagendada para terça (2) sem especificar o motivo do adiamento.
A sessão havia sido agendada no domingo (30) pelo presidente da assembleia, Jorge Rodríguez, principal negociador de Maduro com Washington, após ele se reunir com familiares dos mortos. O parlamentar disse que a medida visava proteger as famílias.
Rodríguez acrescentou que a investigação seria baseada em um artigo do jornal americano The Washington Post segundo o qual Hegseth ordenou a morte de todos a bordo de uma lancha durante um ataque em setembro.



