BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A fatia 0,01% mais rica da população brasileira pagou uma alíquota efetiva de Imposto de Renda de apenas 4,6% no exercício de 2023, segundo estudo do Ministério da Fazenda divulgado nesta segunda-feira (1º). O percentual é inferior ao aplicado a pessoas com ganhos menores e, segundo os autores, torna mais evidente a desigualdade na tributação por classes no país.

Os números são divulgados um dia depois de o presidente Lula (PT) dizer que as mudanças recentes na legislação do Imposto de Renda, que isentaram quem ganha até R$ 5.000 mensais, foram apenas um primeiro passo para mudar o quadro de concentração de renda no Brasil. Técnicos da pasta reforçam a necessidade de medidas sobre o assunto.

O levantamento, feito pela SPE (Secretaria de Política Econômica) do Ministério da Fazenda, usou dados da Receita Federal para chegar à conclusão que a tributação efetiva média de Imposto de Renda cresce apenas até o centésimo 93 (isto é, a 93ª faixa mais rica dentre 100), com uma cobrança de 12%. A partir daí, o percentual cai drasticamente.

A fatia 0,01% mais rica paga praticamente a mesma alíquota efetiva de Imposto de Renda que aquela cobrada de quem se situa no centésimo 63. Estudos da pasta apontavam números ainda menores de pagamento, mas os técnicos afirmam que o levantamento atual passou por um mudança de metodologia que impede a comparação direta com os dados anteriores.

O menor pagamento entre os super-ricos é observado porque essa faixa da população usa instrumentos isentos para obter renda. O principal deles são os lucros e dividendos, que respondem por 34,9% da renda isenta no país. Outros tipos de rendimento (como LCIs e LCAs) representam 18,7%. Ganhos obtidos como sócio ou titular de microempresa ou como optante do Simples correspondem a 12,9%.

O governo tentou alterar a tributação desses instrumentos por meio de uma medida provisória neste ano. Mas o Congresso resistiu às mudanças e deixou de analisar o texto a tempo, fazendo com que a proposta perdesse a validade.

Rafael Acypreste, coordenador-geral de Estudos Quantitativos da SPE, afirma que os dados vão na direção contrária do esperado e ainda escondem um cenário mais grave no extremo topo da pirâmide. “A gente esperava que esse número fosse crescendo. Mas o que acontece é que ele vai caindo à medida que as pessoas vão aumentando a renda. Estamos falando aqui de alíquota média. Há um grupo de milionários que não paga nem 2,5%”, afirma.

Outro motivo para o menor pagamento por parte das classes mais abastadas são as diferentes possibilidades de deduções. Os de maior renda usam mais o instrumento, com os 10% mais ricos respondendo por 41,5% do total de abatimentos.

No centésimo mais rico da população, a dedução dominante é a do chamado livro-caixa, que responde por 41,7% dos descontos desse grupo. São despesas para exercer uma atividade profissional autônoma (como médicos, dentistas e advogados) que podem ser abatidas do cálculo do valor a pagar.

Em seguida, ficam as despesas médicas, com 24,9% das deduções desse estrato. De acordo com a Fazenda, a ausência de limites de dedução para despesas médicas é frequentemente apontada como uma distorção que reduz a progressividade do Imposto de Renda e prejudica a justiça tributária.

Pedro Herculano, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que os dados mostram uma desigualdade maior do que a imaginada anteriormente com base em outros dados. “A forma da desigualdade muda quando você olha o Imposto de Renda. Ela é alta e muito concentrada no topo.”

Para ele, é preciso repensar também outros tributos, como a cobrança sobre o consumo, que acaba sendo aplicada de forma similar tanto a ricos como a pobres.

“Não vai ser possível resolver a desigualdade com o Imposto de Renda, mas é uma ferramenta muito importante. Me parece que se o objetivo é combater essa concentração no topo, um caminho é aumentar e tornar mais progressiva a tributação sobre renda e patrimônio e rever sobre consumo”, diz.

Para ele, uma oportunidade de ação é a busca pela redução do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), criado pela reforma tributária para ser cobrado sobre o consumo e substituir outros impostos que fazem esse papel atualmente. “O IVA pode ser aliviado no futuro. Acho que é o caminho mais intuitivo para explorar”, diz.

Débora Freire, subsecretária de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica da Fazenda, afirma que o ministério tem uma agenda de combate a privilégios constante desde o início do terceiro mandato de Lula.

“Tem o projeto do corte dos benefícios fiscais. É o próximo passo exatamente porque sabemos dos benefícios tributários, do crescimento deles e da fragilidade da governança que temos com os benefícios. Então eu diria que temos essa agenda de corte dos benefícios fiscais que está em discussão e é importantíssima que ela avance”, disse.

O projeto sobre o corte dos benefícios foi apresentado no Congresso no fim de agosto e prevê um corte de 10% em uma série de benefícios fiscais concedidos a empresas e setores. A proposta ampliaria a arrecadação federal em R$ 19,76 bilhões no ano que vem, e seu envio foi necessário para fechar as contas do Orçamento de 2026. Formalmente, o texto foi protocolado pelo líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).

A redução nos incentivos é retoricamente defendida pelo próprio Congresso, mas na prática é uma pauta tradicionalmente complicada pela mobilização dos setores atingidos com a classe política.