SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Você ama demais; e você não ama o suficiente.” Assim Zima, filha do chefe indígena americano, rechaça seus dois pretendentes estrangeiros, o espanhol Don Alvar e o francês Damon. No fim ela escolhe Adario um indígena como ela.
Os perdedores aceitam o destino, e então começa, na forma rondó, a “Dança do Grande Cachimbo da Paz”, o trecho mais célebre de “Les Indes Galantes”, ou “As Índias Galantes”, ópera de Jean-Philippe Rameau com libreto de Louis Fuzelier, em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo.
A montagem tem direção musical do maestro suíço-argentino Leonardo García-Alarcón um dos destaques da temporada paulistana 2024 como convidado da Osesp na direção da “Missa em Si Menor” de Bach e direção cênico-coreográfica de Bintou Dembélé, uma das pioneiras da dança hip-hop na França.
Garcia-Alarcón trouxe consigo o grupo Cappella Mediterranea e o Coro de Câmara de Namur com quem, em 2017, havia apresentado com sucesso em São Paulo uma versão da ópera “Orfeo”, de Monteverdi, e Dembélé teve igualmente o apoio dos bailarinos de seu grupo, o Structure Rualité. Juntam-se aos artistas internacionais o que inclui igualmente os quatro cantores solistas alguns bailarinos e músicos brasileiros convidados e o Coral Paulistano.
Um dos mais importantes nomes do barroco francês, Rameau deixou marcas importantes como compositor de música instrumental para teclado e como autor de um dos primeiros tratados de harmonia modernos antes de se dedicar à ópera.
“Les Indes Galantes” estrutura-se com um prólogo e quatro cenas ”O Turco Generoso”, “Os Incas do Peru”, “As Flores da Pérsia” e “Os Selvagens da América do Norte”. A história reflete os inúmeros relatos de viagens publicados no século 18, os quais despertavam, na Europa em especial na França, imensa curiosidade sobre os costumes e traços culturais de diferentes povos.
Durante seus 80 anos de vida, Rameau envolveu-se melhor seria dizer foi envolvido em diversas polêmicas teórico-musicais, e não seria desproposital dizer, utilizando o jargão contemporâneo, que ele tenha sido, mais de uma vez, cancelado.
Inicialmente por ser excessivamente progressista em sua escrita musical que, ao criar efeitos sonoros com alto teor de descritividade, sobretudo em cenas envolvendo fenômenos naturais, se distanciava da tradicional “tragédie lyrique” de Lully, seu antecessor.
Tempos depois, no entanto, sua obra seria acusada de conservadora pelo filósofo Rousseau, para quem o futuro adviria apenas da ópera cômica cantada em italiano. O embate entre eles ficaria conhecido como “querela dos bufões”.
A coreografia de Dembélé conecta virtuosisticamente os princípios de diferentes formas da dança de rua à música barroca. Não há estereótipos tensos e intensos, os corpos retorcem-se a partir da música, com bailarinos saindo do meio da plateia e do fundo da sala, jogando plasticamente com a velocidade dos movimentos e, com a ajuda da iluminação de Benjamin Nesme, sempre enfatizando a composição musical. É belíssimo.
Coro e corpo de baile movimentam-se pelo espaço e se misturam, como se não pudessem se conter. Em diversos momentos, também os instrumentistas tocando de memória e em pé se juntam a eles. Garcia-Álarcón rege em movimento, circulando, para dar conta da simultaneidade de eventos.
Cada um dos quatro solistas interpretou diferentes personagens. São eles a soprano francesa Laurène Paternò, que cresceu ao longo da récita do último domingo, e os extraordinários Mathias Vidal, tenor francês; Ana Quintans, soprano portuguesa, e Andreas Wolf, baixo-barítono alemão.
O palco do Theatro Municipal é, entretanto, um pouco pequeno para o número de pessoas envolvido na montagem. Sem que isso seja um problema sério, algumas vezes a movimentação de bailarinos e coralistas causa certa confusão visual, sobretudo quando cobre os cantores solistas para o público.
Perto do final, quando o discurso cênico já estava consumado, Garcia-Alarcón voltou-se para os músicos a fim de extrair contrastes mais finos de dinâmica e articulação. De fato, é sempre bom lembrar que, mesmo numa ópera, tudo tem de partir e retornar à música.
LES INDES GALANTES
– Avaliação Ótimo
– Quando Ter. (2) a qui. (4), às 20h
– Onde Theatro Municipal de SP – pça. Ramos de Azevedo, s/n – República, São Paulo
– Preço R$ 39 a R$ 252, em theatromunicipalsp.byinti.com
– Elenco Laurène Paternò, Ana Quintans e Mathias Vidal
– Direção Bintou Dembélé



