LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – Em 2015, Adolpho Veloso filmava um longa experimental em preto e branco nas ruas de São Paulo que estreou no festival alternativo americano Slamdance. Dez anos depois, o diretor de fotografia paulista entrega “Sonhos de Trem”, seu segundo filme nos Estados Unidos com o cineasta Clint Bentley, e desponta como um dos favoritos a uma vaga no Oscar 2026 de melhor fotografia e ainda emenda com seu primeiro trabalho em um blockbuster hollywoodiano ao lado de M. Night Shyamalan, previsto para o ano que vem.

“É surreal, nunca imaginei algo assim”, diz Veloso ao encontrar a reportagem da Folha em um hotel a poucos metros de cenários de filmes como “Chinatown” e “Era Uma Vez em Hollywood”. “Quando você faz um longa, a última coisa que passa pela cabeça é ter seu nome cogitado para uma indicação ao Oscar, porque é algo muito distante para quem vem do Brasil.”

Ele decidiu que queria trabalhar com cinema aos 12 anos ao assistir a “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick. “Fiquei totalmente impressionado e resolvi que trabalharia com isso, mas não sabia exatamente em qual função”, afirma o cineasta, que se formou em cinema na FAAP, em São Paulo. “Achava que seria diretor, porque parecia ser a única opção, mas na faculdade comecei a ver que havia outras possibilidades. No primeiro ano, já percebi que queria ficar atrás da câmera e criar com a luz e a fotografia.”

Antes de assumir a função que exerce até hoje, Veloso trabalhou em diversos departamentos de produtoras de publicidade até passar a fotografar curtas. Estreou em um longa com “Asco”, selecionado pelo festival alternativo ao Sundance, e, em 2017, trabalhou com Heitor Dhalia em “Yoga: Arquitetura da Paz”, documentário sobre o renomado retratista Michael O’Neill e sua relação com a disciplina espiritual. A obra chamou a atenção do jovem Clint Bentley. “O filme estava bastante popular na Netflix e, por acaso, Clint assistiu e gostou. Ele é documental, mas esteticamente próximo da ficção, mais cinematográfico e com planos pensados.”

Após retomar a parceria com Dhalia em “Tungstênio”, o diretor de fotografia passou a filmar na Argentina e na Europa. Foi quando decidiu, no fim de 2019, se mudar para Portugal —onde, diz, sempre estão suas plantas, mas não ele.

Um ano depois, chegava ao primeiro set nos Estados Unidos para rodar “Jockey”, drama de pequeno orçamento de Bentley sobre um jóquei veterano —papel de Clifton Collins Jr.— que tenta seu grande título mesmo com a saúde debilitada. “Tínhamos uma equipe de dez pessoas e um orçamento de US$ 300 mil. Por isso, havia muita liberdade nas filmagens”, diz Veloso.

A dupla com Bentley deu tão certo que foi repetida em “Sonhos de Trem”, longa que está no catálogo da Netflix. Agora, o projeto teve cem pessoas empregadas diretamente, filmagens no interior do estado de Washington, distribuição grandiosa e astros do quilate de Joel Edgerton e Felicity Jones. “O grande desafio foi repetir o mesmo processo em um filme de época sem a mesma flexibilidade do projeto anterior”, diz Veloso.

A missão era adaptar o conto de Denis Johnson sobre um lenhador —papel de Edgerton— do início do século 19 que vê a dinâmica da região e seu modo de sobrevivência alterados com a chegada de uma ferrovia.

Nas mãos de Bentley, virou um belo e delicado drama sobre natureza, os perigos do capitalismo extremo e a resiliência humana. Filmado inteiramente com luz natural, câmera na mão e locações, “Sonhos de Trem” exigiu comprometimento de diretor, fotógrafo e elenco, longe das regalias hollywoodianas.

“Eu e Adolpho criamos esse estilo de filmar misturando momentos roteirizados e, de vez em quando, os jogando para o alto ao trazer atores estreantes e animais. Não teria feito esse filme sem Adolpho”, diz Bentley, que foi indicado ao Oscar com Greg Kwedar pelo roteiro de “Sing Sing” —a dupla também assina o novo longa.

“Sonhos de Trem” foi rodado em 29 dias no meio de uma floresta da Costa do Pacífico, mas a maior parte da equipe permanecia mais distante da ação, que era conduzida por Veloso e Bentley de modo intimista para manter velocidade, espontaneidade e o espírito independente dos envolvidos. “Tínhamos poucas horas para filmar, dependendo da natureza. O lado bom de trabalhar assim é que você não tem muito tempo para fazer as cenas. Só conseguimos porque o elenco abraçou a ideia”, diz Veloso.

O estilo do brasileiro em “Sonhos de Trem” chamou a atenção de M. Night Shyamalan, que teve acesso a uma cópia antecipada do filme. O cineasta de “O Sexto Sentido” e “A Vila” chamou Veloso para fotografar o grandioso “Remain”, ideia concebida por ele e Nicholas Sparks, autor de “Diário de uma Paixão”.

“Foi um salto”, diz o diretor de fotografia. “Trabalhar com um diretor com tantos filmes é outra coisa. Ele já tem um sistema e muita gente acostumada a trabalhar assim. Quando você chega com novas ideias, leva um tempo para as duas coisas se unirem.”

A experiência, segundo Veloso, foi diferente, mas incrível. “Night é aberto e amoroso”, diz ele, que comandou duas câmeras VistaVision, um formato antigo e quase extinto que usa película 35mm na horizontal para gerar uma imagem mais larga e com maior definição —usado por Paul Thomas Anderson recentemente em “Uma Batalha Após a Outra”.

“Foi minha primeira vez. Não sei se repetiria, porque elas dão muito pau. Só existem seis no mundo. Rodamos com duas câmeras. Certo dia, quebraram simultaneamente e pausamos as filmagens por duas horas para esperar consertarem.”

Essas dificuldades deixariam muitos cineastas desesperados, mas Veloso trouxe a engenhosidade brasileira para Hollywood. “Brasileiro tem muito recurso, sempre achamos soluções e não ficamos parados por causa de orçamentos ou problemas”, diz. Clint Bentley confirma ao revelar a única palavra que aprendeu em português —gambiarra.

Apesar do sucesso nos Estados Unidos, Adolpho Veloso diz que sente falta do Brasil, mesmo visitando a família três vezes por ano, e que adoraria voltar a trabalhar no país. “É incrível poder mostrar o cinema brasileiro para o mundo e colocar um pouco do Brasil no cinema do mundo. É o que tento fazer. Se souber de alguém precisando de diretor de fotografia…”

Quem se interessar precisará correr, porque o paulista de 37 anos está na shortlist do Critics Choice Awards, figura em diversas listas de publicações especializadas como um forte candidato à indicação ao Oscar de melhor fotografia por “Sonhos de Trem”.

“Acho difícil, porque temos muitos filmes com boas fotografias neste ano e vários veteranos com mais nome”, diz ele, fã do trabalho de Robbie Ryan em “Bugonia”. “Se rolar, legal. Mas se não acontecer, vou encarar como um degrau que subi para tentar uma próxima vez.”

SONHOS DE TREM

– Classificação 14 anos

– Elenco Joel Edgerton, Felicity Jones, Kerry Condon

– Produção EUA, 2025

– Direção Clint Bentley

– Onde ver Disponível na Netflix