SÃO PAULO, SP E BELÉM, BA (FOLHAPRESS) – Depois de quase duas semanas, a COP30 chegou a seu último dia com um impasse que pode inviabilizar um acordo final o documento mais esperado do encontro. A conferência da ONU sobre mudanças climáticas está prevista para terminar nesta sexta (21) em Belém, mas pode ser estendida para o fim de semana exatamente para permitir que a negociação seja concluída.
A disputa acontece porque a presidência da COP30, que é brasileira, apresentou um novo rascunho do texto final que exclui qualquer menção a um mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis. O trecho que citava um roteiro para eliminar o desmatamento também foi retirado. Ambos estavam na versão anterior do documento.
Países produtores de petróleo pressionavam por essa retirada. Mas um grupo de cerca de 30 nações ameaça bloquear o acordo caso a menção aos combustíveis fósseis não entre no texto final. Como ele precisa ser aprovado por unanimidade, os dois lados vão precisar negociar para encontrar uma solução, ou a conferência pode terminar sem um acordo.
A ideia de criar um mecanismo para superar a dependência das fontes poluentes foi apresentada pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente) e defendida pelo presidente Lula (PT).
Este plano é barrado por cerca de 80 países, majoritariamente árabes, que representam os interesses de outras nações cuja economia depende do petróleo. O grupo é liderado pelos sauditas, mas também tem apoio, por exemplo, da Índia, que tem enorme dependência do uso de carvão.
A China, que também utiliza esta fonte de energia, tem uma oposição mais fraca à ideia, segundo negociadores ouvidos pela Folha de S.Paulo sob reserva.
Do outro lado, países da América Latina e da Europa são os principais incentivadores do mapa do caminho, e buscam agora reverter este cenário. Retirar o plano do documento é uma tentativa de chegar a um consenso geral na COP30, já que a intransigência liderada pelos árabes ameaçava travar todas as negociações.
Quase 30 países entregaram uma carta à presidência brasileira da conferência em que rejeitam o novo texto e pedem o avanço da proposta.
“Não podemos apoiar um resultado que não inclua um roteiro para implementar uma transição justa, ordenada e equitativa para longe dos combustíveis fósseis. Esta expectativa é compartilhada por uma vasta maioria das Partes, bem como pela ciência e pelas pessoas que acompanham de perto o nosso trabalho”, afirma a mensagem, segundo o portal Carbon Brief.
De acordo com o jornal The Guardian, a carta é assinada por países europeus, como Áustria, Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Holanda, Espanha e Reino Unido, além de latino-americanos, como Chile, Colômbia, Costa Rica e México. Pequenas nações insulares, como Palau e Vanuatu, que temem desaparecer com o aumento do nível do mar, integram a lista.
O comissário para clima da União Europeia, Wopke Hoekstra, criticou a nova versão. “Isto não está nem perto da ambição que precisamos em mitigação. Estamos decepcionados com o texto atualmente em discussão”, afirmou.
O impasse sobre o acordo não é uma novidade nas COPs, mas a disputa tem se acentuado nas últimas edições. Exatamente para tentar resolver a questão, o Brasil tentou adotar uma nova estratégia por ser o anfitrião, o país lidera as conversas.
Na prática, os assuntos foram divididos em dois grandes blocos, que deveriam ser negociados separadamente. No primeiro, de caráter mais técnico, ficaram os temas que são mais consensuais. No segundo, mas políticos, os que têm maior divergência.
A ideia brasileira era que essas questões polêmicas não contaminassem o resto das discussões, facilitando o avanço das negociações. Na prática, porém, o debate está em um impasse, assim como tinha acontecido nas últimas edições.
O debate sobre o fim dos combustíveis fósseis entrou exatamente nesse segundo bloco, que trata também de financiamento, medidas unilaterais de comércio, metas climáticas e relatórios de transparência. Apesar da retirada do mapa do caminho, o rascunho da decisão ainda traz grandes divergências sobre estes outros temas polêmicos.
No caso de financiamento, por exemplo, há trechos em que o texto traz quatro opções de redação, o que indica falta de consenso diante de diferentes sugestões feitas por países. O mesmo com acontece com medidas unilaterais, trecho que ainda apresenta cinco alternativas.
Estes dois pontos também opõe os dois grupos divergentes quanto ao mapa do caminho dos combustíveis fósseis.
Neste caso, a resistência em tratar do assunto vem por parte dos europeus, enquanto são os árabes, dentre outros, que tentam colocar essas negociações na mesa.
Por outro lado, a nova versão do texto traz uma proposta que abre caminho para a criação do primeiro mecanismo internacional dedicado exclusivamente a transições justas, com o objetivo de organizar financiamento, cooperação técnica e capacitação principalmente para países em desenvolvimento.
O item é o avanço institucional mais concreto desde que o tema entrou na agenda climática nos últimos anos e determina que o instrumento deve viabilizar uma transição que seja equitativa e inclusiva. Se aprovado, o mecanismo poderá se tornar uma das principais entregas políticas da conferência, ao criar um trabalho permanente para que a descarbonização global avance de forma mais igualitária.
O enviado climático do Panamá, Juan Carlos Monterrey, afirmou que o rascunho publicado na madrugada desta sexta é inaceitável e que não é uma base séria para as negociações.
“Um texto climático que não pode mencionar combustíveis fósseis é um texto climático que se recusa a falar a verdade. Uma COP na floresta sem compromisso de acabar com o desmatamento é simplesmente impensável. Se não conseguimos concordar sobre zerar o desmatamento aqui, na Amazônia, então onde conseguiremos? Isso não é uma negociação, é fingimento”.
O rascunho também foi amplamente repudiado por organizações da sociedade civil, com várias declarações saindo logo nas primeiras horas do dia.
O Greenpeace rejeitou o texto e incitou os países a fazer o mesmo e devolver a proposta à presidência da COP para revisão.
“Este texto do mutirão é praticamente inútil, pois contribui muito pouco para reduzir a lacuna de ambição [para frear o aquecimento global em] 1,5°C ou para pressionar os países a acelerarem suas ações”, disse Tracy Carty, especialista em política climática da organização. “Havia esperança nas propostas iniciais de roteiros para acabar com o desmatamento e com os combustíveis fósseis, mas esses roteiros desapareceram e estamos novamente perdidos”.
Os pesquisadores do pavilhão da Ciência Planetária na COP30 disseram que a exclusão dos mapas do caminho é uma traição à ciência. “É impossível limitar o aquecimento a níveis que protejam as pessoas e a vida sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acabar com o desmatamento. Nessas últimas horas, os negociadores devem trabalhar juntos para recolocar no texto os roteiros para um futuro mais seguro e próspero”, declararam.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, um primeiro rascunho da “decisão de mutirão” apresentava três propostas. Uma das opções era genérica e mencionava soluções de baixo carbono (com pouca ou nenhuma dependência de combustíveis fósseis). A segunda alternativa de era “no text” (sem texto), o que já indicava que havia países contrários a esse tópico.
Na terceira possibilidade, o documento falava em “criar uma mesa ministerial de alto nível […] para ajudar países a desenvolver mapas do caminho justos, ordenados e equitativos”.
Agora, o texto não cita os combustíveis fósseis em nenhum momento.
Observadores ouvidos reservadamente apontam que o rascunho anterior enfrentou a resistência dos países árabes e do grupo de negociação conhecido como LMDC, grupo de países em desenvolvimento com grande dependência de combustíveis fósseis, como China, Índia e Venezuela. E sem um componente forte para mitigação das emissões de gases de efeito estufa, dificilmente países desenvolvidos, como o bloco da União Europeia, apoiam o restante, como iniciativas de financiamento.
A avaliação é que a tração que a proposta do mapa do caminho ganhou em duas semanas parece não ter sido suficiente para aprovar a medida.






