Da Redação

A disparidade entre os valores pagos ao produtor no Brasil e nos países vizinhos tem redesenhado o cenário do setor lácteo nacional. Dados divulgados pela Embrapa, no boletim Agro em Dados de novembro, mostram que o leite argentino está chegando ao mercado internacional por um custo significativamente menor. Enquanto o produtor da Argentina recebeu, em média, US$ 0,36 por litro, o brasileiro registrou US$ 0,47 — uma diferença de mais de 23%.

Esse desequilíbrio tem reflexo direto nos números de importação. Em setembro, o Brasil praticamente multiplicou por dois o volume de lácteos comprados do exterior, saltando de 9,2 mil toneladas para 23,3 mil toneladas. Só a Argentina respondeu por 66% desse total. Em Goiás, o impacto é evidente: apenas no nono mês do ano, o estado importou 62,4 toneladas de soro de leite, mesmo sendo uma das principais potências leiteiras do país.

O avanço das importações contrasta com a expansão da produção goiana. Goiás ocupa a quinta posição no ranking nacional, com 2,9 bilhões de litros produzidos em 2024. O estado possui 1,4 milhão de vacas ordenhadas e tem em Orizona seu principal polo produtor, responsável por 124,5 milhões de litros anuais. A projeção para 2025 aponta um VBP de R$ 6,1 bilhões — cerca de 8,5% de todo o faturamento do setor no Brasil. Mesmo assim, o relatório classifica como “surpreendente” a força do mercado externo sobre a cadeia local.

Para Vinícius Correia, presidente da Comissão de Leite da Faeg, a pressão internacional chegou a um ponto crítico. Ele afirma que, neste mês, o produtor goiano ainda “empata as contas”, mas o prejuízo deve aparecer já no próximo. A diferença de competitividade, diz ele, é estrutural: custos menores, menos impostos e insumos mais baratos tornam o leite argentino imbatível nos preços. “Somos capacitados, mas não temos como competir.”

O dirigente ressalta ainda que, historicamente, o Brasil precisa importar até 5% do leite consumido internamente. Porém, devido ao preço reduzido do produto argentino, esse percentual tem girado entre 10% e 12%. “Estamos quase importando o equivalente à produção anual de Goiás”, afirma.

Diante do cenário, propostas já chegaram ao governo federal. Entre elas, a criação de uma cota que limite as importações a 5% do consumo nacional, impedindo que volumes maiores prejudiquem a cadeia produtiva. Outra alternativa seria suspender temporariamente as compras externas por 90 dias, dando tempo para que o mercado interno se reorganize. Segundo Vinícius, sem algum tipo de intervenção, quem continuará “pagando a conta” será o produtor brasileiro.