SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério da Saúde anunciou o fim gradual até 2030 do uso de amálgamas, material prateado usado há mais de um século em restaurações de dentes. O produto contém mercúrio e pode gerar impacto ambiental se descartado de forma incorreta. Segundo especialistas, quem já tem restaurações antigas de amálgama não precisa retirar, porque não traz riscos à saúde.

O Brasil reafirmou o compromisso de reduzir gradualmente o uso de amálgamas dentários contendo mercúrio durante a 6ª Conferência das Partes da Convenção de Minamata (COP 6), em Genebra, Suíça, na quarta-feira (5). O Ministério da Saúde defende uma transição gradual e segura, de modo a não comprometer o acesso da população aos tratamentos odontológicos essenciais oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Entre 2019 e 2024, o uso de amálgama no Brasil caiu de cerca de 5% para 2% de todos os procedimentos odontológicos restauradores, o que resultou na ampliação do uso de materiais alternativos, como resinas compostas e ionômero de vidro, segundo o ministério.

A pasta reforçou em nota que uma proibição imediata do uso do material nos programas públicos poderia comprometer a cobertura assistencial e os resultados em saúde bucal, contrariando princípios sociais e constitucionais do SUS.

Para a conselheira do CFO (Conselho Federal de Odontologia) e professora da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Bianca Soares Zambiasi, a decisão do Ministério da Saúde de eliminar gradualmente o amálgama é positiva e acompanha a evolução dos procedimentos de restauração de dentes danificados.

“Hoje o amálgama nem é mais ensinado nas universidades. Já temos materiais tão bons ou melhores, com desempenho semelhante e sem impacto ambiental”, afirma.

LEIA MAIS

Segundo ela, o motivo da substituição é ambiental, não de saúde. “As restaurações antigas são seguras. O problema está no descarte inadequado das cápsulas com mercúrio.”

O material, antes manipulado em pó e líquido, hoje só existe em versão encapsulada, mas vem sendo substituído por resinas compostas e ionômeros de vidro modificados por resina, mais estéticos e conservadores.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu, em 2017, a fabricação, importação e comercialização de mercúrio e pó para liga de amálgama não encapsulada no Brasil. A medida passou a valer em janeiro de 2019.

Gustavo Delmondes, cirurgião-dentista da Clínica Benve Odontologia, explica que o amálgama é uma liga metálica com aproximadamente 50% de mercúrio. Foi muito utilizado devido ao preço mais acessível, resistência e boa durabilidade.

Camillo Anauate Netto, membro do Crosp (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo), diz que o mercúrio reage quimicamente com os outros metais que compõem o material, como prata, cobre e estanho, e forma um composto sólido, estável, que não libera vapores nem é absorvido pelo organismo.

“Há pessoas com restaurações de amálgama há 30, 40 anos sem nenhum problema. O risco não está no uso, mas no descarte inadequado dos resíduos que contêm mercúrio”, afirma

Em restaurações muito grandes de amálgama, pode haver fragilidade da estrutura dental ao redor, diz Delmondes. Nesse tipo de situação, existe risco de fratura do dente ao longo do tempo. Por isso, em alguns casos, o médico pode recomendar a substituição preventiva por outro material, como resina, que adere ao dente e ajuda a reforçar a estrutura.

Netto explica que em muitas unidades de saúde do SUS ainda faltam equipamentos e insumos necessários para aplicar a resina composta, como aparelhos fotopolimerizadores (que endurecem o material), adesivos de qualidade e isolamento adequado da cavidade, por isso o amálgama ainda é uma opção.

“Em locais onde não há estrutura, o amálgama ainda é a melhor alternativa para salvar dentes que, de outra forma, seriam extraídos”, diz.

As resinas compostas, que devem substituir o amálgama, são hoje o padrão em consultórios particulares. Elas são mais estéticas, por terem a cor do dente, e consideradas seguras tanto para o paciente quanto para o meio ambiente. No entanto, a durabilidade depende de boas condições de aplicação e manutenção.

Quem já tem restaurações prateadas nos dentes não precisa se preocupar. Não há evidências científicas que justifiquem a remoção preventiva do amálgama. Segundo o especialista, o material só deve ser substituído se houver infiltração de cárie, fratura da obturação ou por desejo estético do paciente.

“Trocar sem necessidade pode até piorar a situação, porque sempre se desgasta um pouco mais do dente saudável”, explicou.

O risco ambiental, segundo ele, é controlado por protocolos rigorosos de descarte. Os resíduos com amálgama são armazenados em recipientes plásticos rígidos com solução neutralizante e encaminhados a empresas especializadas. Consultórios também usam filtros e separadores para evitar que o material chegue ao esgoto.