BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Gabriel Dias de Oliveira, apontado pela Polícia Federal como tesoureiro do Comando Vermelho, reuniu-se com Gutemberg Fonseca, secretário de Defesa do Consumidor do Rio de Janeiro, do governo Cláudio Castro (PL), para tratar de apoio político.
As informações estão no relatório final da Operação Zargun, do dia 27 de setembro, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso. A ação, deflagrada no início de setembro, mirou agentes públicos e políticos ligados ao tráfico internacional de armas e drogas.
De acordo com a PF, “aparentemente” o secretário não correspondeu às expectativas de Gabriel, conhecido como Índio do Lixão, “mesmo após receber algum tipo de auxílio”. A corporação não especifica o que seria esse auxílio.
A assessoria da secretaria afirmou que Gutemberg desconhece completamente a vida pessoal e o histórico de Índio e que, caso tenha ocorrido algum contato em eventos públicos, “foi de forma absolutamente casual, sem qualquer ciência sobre qualquer envolvimento ilícito”.
Para a PF, os diálogos evidenciaram “a articulação política da organização criminosa para cooptar altas autoridades do Poder Executivo Estadual”, além da “utilização da máquina pública para blindar e promover os interesses da facção”.
De acordo com o relatório da polícia, o encontro entre os dois ocorreu no dia 13 de maio, segundo conversas extraídas do celular de Índio.
Uma delas é um áudio enviado a Alessandro Pitombeira Carracena, que foi secretário estadual de Esporte e Lazer do Rio em 2022, além de subsecretário de Defesa do Consumidor até janeiro deste ano ambos cargos na gestão Castro.
Índio relatou que esteve com o secretário de “onde o senhor trabalha” e que conversou sobre política e sobre como poderia ajudá-lo. A polícia deduziu tratar-se de Gutemberg.
O suspeito também afirmou que foi levado por um interlocutor para que o secretário o conhecesse, “a fim de ver como poderiam se ajudar politicamente”.
Ele finalizou dizendo a Carracena que Gutemberg poderia entrar em contato, no dia seguinte, para perguntar quem era e se “estava dentro do problema ou não”. A polícia interpretou o diálogo como uma solicitação de “cobertura política”.
“Já falei com eles, falei que você é firme e é importante pra ele ter ao lado”, teria respondido o ex-secretário. Segundo a PF, isso indica apoio ao projeto político de Índio.
A PF também destacou que, no dia 5 de junho, Índio enviou a Carracena um vídeo de Gutemberg em um evento da Enel, distribuidora responsável pelo fornecimento de energia no Rio, e disse: “Ficou forte ele com Enel né”.
Carracena respondeu: “Muito é por causa de você”. A seguir, Índio desabafou, segundo o relatório: “Não vou mais incomodar ele não, doutor, não posso ficar forçando ele me ajudar se no coração dele não quer me ajudar”.
O ex-secretário respondeu, ainda segundo as mensagens, que estava “lutando por isso”, ao que Índio afirmou: “Se ele quisesse, já teria feito”. O suposto tesoureiro ainda disse: “Ainda mais depois do que eu fiz”.
Não há no documento da PF informação sobre qual seria o evento da Enel mencionado, nem qual o suposto auxílio prestado.
Um dia após a mensagem de Índio, as página de Gutemberg e de sua pasta no Instagram fizeram uma publicação conjunta de um evento na sede da Enel, com o objetivo de “estreitar o relacionamento e fortalecer a parceria com os órgãos locais de defesa do consumidor”.
Índio e Carracena foram presos durante a deflagração da Operação Zargun, no início de setembro. O primeiro é apontado pela PF como o principal responsável pela negociação de armas e drogas para o Comando Vermelho, “mantendo estreitas conexões com lideranças criminosas que atuam no Complexo do Alemão”.
Segundo o apurado, ele também participava de operações clandestinas de câmbio e ocultava e dissimulava os recursos adquiridos no esquema, que eram repassados a traficantes.
Para a polícia, ele também fazia a intermediação entre os chefes de facções criminosas e autoridades públicas. A PF apurou que o Comando Vermelho pretendia lançá-lo como vereador em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Segundo a polícia, ele ganhou o apelido “do Lixão” por chefiar o comércio de drogas na Favela do Lixão, no município. Ele chegou a ser preso em 2015.
A PF o indiciou sob suspeita de promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa e associação para o tráfico internacional de armas e drogas. A defesa de Índio não foi localizada pela reportagem.
Já Carracena, de acordo com a PF, atua como braço político e jurídico da facção. Ele teria recebido dinheiro de seus membros para vazar operações policiais para o grupo e atender a interesses por meio de contatos adquiridos na vida pública.
Ele foi indiciado sob suspeita de promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa, violação de sigilo funcional (quando um funcionário público revela um segredo de seu cargo ou facilita sua revelação) e corrupção ativa (quando oferece ou promete vantagem indevida a um funcionário público).
O advogado Rodrigo Roca, que atua na defesa de Carracena, disse que seu cliente “não fez mais que se colocar à disposição de um candidato para auxiliá-lo na busca por apoio político”.
“O diálogo entre o Dr. Carracena e o Índio, ao contrário da perversa narrativa acusatória, inseriu-se no contexto da busca legítima por apoio político. Em nenhum momento houve menção a vantagens indevidas ou à prática de qualquer ato contrário à lei.”
Já a assessoria da secretaria reforçou que Gutemberg não mantém e nunca manteve qualquer tipo de relação pessoal ou institucional com o suspeito. Também disse que, como figura pública, ele participa de eventos onde é natural ter contato com pessoas, sem conhecimento prévio sobre quem são ou de que contexto vêm.
Além disso, afirmou que ele sempre atuou dentro dos limites da lei, tratando exclusivamente de pautas republicanas, de interesse coletivo e de cunho institucional. “Qualquer assunto que fuja desse propósito não recebe e nunca recebeu sua atenção”, disse.
Sobre o evento mencionado com a empresa Enel, a secretaria disse que toda interlocução com concessionárias e prestadoras de serviço é de caráter estritamente institucional, sempre dentro dos trâmites oficiais e sem necessidade de intermediários.
A Enel afirmou que a empresa realiza reuniões frequentes com autoridades e representantes da sociedade civil de todos os municípios de sua área de concessão para ouvir as necessidades locais e informar as ações planejadas pela companhia. “A empresa reforça não ter qualquer relação com Gabriel Dias de Oliveira”, disse.




