SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Barricadas de concreto e homens fortemente armados no Complexo da Penha, reduto do CV (Comando Vermelho) na zona norte do Rio de Janeiro, foram os principais motivos que dissuadiram a Polícia Civil paulista de tentar cumprir os mandados de prisão contra dois dos principais acusados de participar do assassinato do delator Antônio Vinícius Lopes Gritzbach. Ele foi morto a tiros de fuzil no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, há um ano.

Emílio Carlos Gongorra Castilho —o Cigarreira— e Kauê do Amaral Coelho, apontados como mandante e olheiro no assassinato, estavam na região da Penha menos até janeiro deste ano. Naquele mês, relatório de inteligência da polícia identificou que os dois trocariam de esconderijo. O local passava por reforma para recebê-los.

Em março, ao entregar o relatório final da investigação do assassinato, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa) afirmava que seguia monitorando a dupla. A reportagem não conseguiu localizar as defesas de Cigarreira e de Kauê.

“Com pedido [de prisão de Kauê] deferido, policiais civis desta unidade se deslocaram para o Rio de Janeiro, mas não conseguiram dar cumprimento nos mandados em razão do risco de entrada na comunidade”, diz trecho do relatório.

Com base em informações repassadas pela Polícia Civil fluminense, o documento aponta que seriam necessários cerca de 700 policiais para fazer a incursão em segurança. Eram ao menos quatro barreiras de concreto entre a entrada da favela e o endereço onde eles foram localizados.

Kauê, o suposto olheiro, chegou a ser filmado por um drone da polícia. Ele aparece no terraço de um imóvel, que tem piscina, mesa e bancos ao ar livre. O relatório não informa qual foi a data da filmagem.

Na semana passada, no mesmo Complexo da Penha, as polícias do Rio de Janeiro fizeram a operação que deixou 121 mortos, a mais letal na história do país. Cigarreira e Kauê não foram encontrados, o principal líder do CV na região —Edgar Alves de Andrade, o Doca— escapou do mandado de prisão e há indícios de que informações sobre a ação tenham vazado.

O DHPP já recebeu informações de que Cigarreira e Didi teriam deixado o país, mas isso não foi totalmente confirmado pelas autoridades.

CONEXÕES DE CIGARREIRA COM DOCA, LÍDER DO CV

Cigarreira estava no Rio no momento em que Gritzbach foi fuzilado na área de desembarque do aeroporto de Guarulhos. A investigação mostra que ele embarcou num voo fretado que partiu de Jundiaí (SP) às 23h50 do dia 6 de outubro, e pousou no Galeão à 0h43 do dia 7, véspera do crime. A viagem custou R$ 23 mil.

Kauê se juntaria a ele três dias depois. Levado de carro na noite do dia 9, chegou no Complexo da Penha por volta das 5h do seguinte, segundo o depoimento do motorista que o levou até lá.

Ao se deparar com a primeira barricada, guardada por homens armados, Kauê telefonou para um comparsa de Cigarreira e esperou num posto de combustíveis, disse o motorista. Ao ter a entrada liberada no reduto do CV, foi diretamente para um baile funk, onde ficou bebendo durante a manhã do dia 10.

O relatório da Polícia Civil paulista aponta que Cigarreira é ligado ao CV e responsável pelo tráfico de drogas entre São Paulo e Rio de Janeiro. Seu parceiro nos negócios, diz o documento, era Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, morto a tiros em dezembro de 2021.

Gritzbach era suspeito de ter mandado mandar matar Cara Preta, além de ter sumido com criptomoedas dos dois traficantes, o que ele negava. Ele foi submetido a um tribunal do crime no qual, segundo narrou em vários depoimentos, Cigarreira estava presente.

A investigação identificou subordinados de Cigarreira que seriam responsáveis pela segurança da dupla na capital fluminense, além de uma conexão com o chefe do tráfico de drogas na Penha.

“Ele [Cigarreira] mantém uma relação próxima com ‘DOCA’, chefe do tráfico no Complexo da Penha, o que fortalece sua posição dentro do Comando Vermelho”, diz trecho de relatório do DHPP.

Os drones que filmaram Kauê também registraram que o esconderijo estava cercado por homens que vigiavam a movimentação ao redor do imóvel. Depoimentos colhidos pela polícia apontam que os dois tomaram precauções após o nome do olheiro ser divulgado no noticiário e passaram a tomar precauções para não serem presos

“Após a chegada, criminosos locais identificaram Kauê e perceberam que sua imagem estava amplamente divulgada na mídia nacional”, diz o relatório. “Membros do Comando Vermelho decidiram convocar Decão [identificado como principal comparsa de Cigarreira] para um ‘debate’, no qual ficou determinado que Kauê e Cigarreira não poderiam mais sair do Complexo da Penha. Além disso, ficou proibido que Decão usasse qualquer aparelho móvel sem o conhecimento da facção, como forma de evitar que informações vazassem.”

O relatório do DHPP tem menos informações sobre o paradeiro de Diego dos Santos Amaral, o Didi, que também é apontado como mandante do assassinato de Gritzbach. Didi é primo de Kauê e também teria participado do tribunal do crime em que o delator foi julgado. Nos autos do processo, a defesa de Didi negou que ele seja mandante do crime.