SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No momento em que foi morto com tiros de fuzil na área de desembarque do aeroporto mais movimentado do Brasil, o delator Antonio Vinícius Lopes Gritzbach estava cercado de policiais.

Ao seu lado estava um soldado da Polícia Militar, que integrava sua escolta pessoal —um serviço proibido por lei e pelas normas da corporação. À sua frente, encapuzados, um soldado e um cabo da PM portavam as armas que o levaram à morte e o carro de fuga tinha um tenente ao volante, conforme apontou a investigação do crime.

Gritzbach recebia proteção de policiais militares e foi morto por integrantes da mesma corporação, mas o crime foi feito a mando de lideranças das duas maiores facções criminosas do país, PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho). É o que aponta a análise de celulares dos envolvidos e evidências espalhadas em três investigações diferentes.

O crime no aeroporto, que completa um ano neste sábado (8), foi o estopim para uma série de operações que levaram à prisão um total de 27 policiais, seja por envolvimento direto no assassinato, por participarem de esquemas delatados por ele ou casos que passaram a ser investigados a partir da apreensão dos telefones de suspeitos.

MANDANTES E OLHEIRO CONTINUAM FORAGIDOS

Os dois homens apontados como mandantes do assassinato —Emílio Carlos Gongorra Castilho, o Cigarreira, e Diego dos Santos Amaral, o Didi— continuam foragidos, nove meses após a Justiça autorizar a prisão temporária. Kauê do Amaral Coelho, que é primo de Didi e foi filmado no saguão do aeroporto apontando a posição do alvo para os atiradores, também nunca foi encontrado.

A motivação para o assassinato era tanto financeira quanto vingança. Gritzbach era suspeito de ter mandado matar Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, chefe de um grupo de integrantes do PCC que atuava no bairro do Tatuapé, em dezembro de 2021. No atentado, foi morto também o motorista Antonio Corona Neto, o Sem Sangue.

Nesse contexto, ele também era acusado por integrantes do PCC de ter desaparecido com cerca de US$ 100 milhões (R$ 547 milhões) que pertenciam a Cara Preta. Gritzbach negava ter participação no assassinato e no sumiço do dinheiro, mas admitiu ter contribuído para um esquema de lavagem de dinheiro de vários integrantes da facção no mercado imobiliário —ele era corretor de imóveis.

Segundo relatório da Polícia Civil, Cigarreira é vinculado ao CV e era sócio de Cara Preta no tráfico de drogas entre São Paulo e Rio de Janeiro. O fato de Gritzbach ter feito um acordo de delação premiada com o Ministério Público de São Paulo, no qual explicava como funcionavam esquemas de lavagem de dinheiro da facção e relatava ter sido vítimas de extorsão de policiais civis, contribuía para o desejo de vê-lo morto.

Partes da delação já haviam sido publicadas na imprensa quando ele foi fuzilado no aeroporto.

Nos autos do processo, a defesa de Diego dos Santos Amaral, o Didi, negou que ele seja mandante do crime. A reportagem não conseguiu localizar as defesas de Cigarreira e de Kauê.

A CONEXÃO ENTRE MANDANTES E EXECUTORES

A investigação aponta que o cabo Dênis Antônio Martins e o soldado Ruan Silva Rodrigues são os atiradores que desceram do carro preto e atiraram contra Gritzbach e que o motorista era o tenente Fernando Genauro da Silva.

Eles foram identificados por meio das informações de aplicativos com geolocalização, torres de celular, material genético encontrado no carro da fuga e imagens de câmeras de segurança.

A investigação apontou também que Kauê, o olheiro, seria o elo entre mandantes e executores. De um lado, foram encontrados registros de ligações telefônicas entre Kauê e Cigarreira.

De outro, há vários registros telefônicos e de mensagens trocadas entre eles. O olheiro teria resgatado o trio num terminal de ônibus em Guarulhos, após o carro da fuga ser abandonado, diz o relatório da investigação.

A defesa de Genauro e Ruan afirmou que eles não estavam no aeroporto no momento do crime, e que isso será provado durante o processo. A Justiça já decidiu que eles serão levados a júri, que está marcado para junho de 2026.

Cigarreira desembarcou no Rio de Janeiro na madrugada da véspera do crime, após viajar num voo fretado que partiu de Jundiaí (SP). Kauê se juntaria a ele três dias depois. Os dois ficaram escondidos no Complexo da Penha, reduto do Comando Vermelho, ao menos até janeiro de 2025.

Houve festa por dois dias seguidos numa casa com piscina na Penha com a presença dos dois. A investigação afirma que Kauê chegou a ser fotografado no local. A avaliação foi de que a prisão dele era inviável, pois a Polícia Civil carioca informou que seriam necessários cerca de 700 policiais e autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) para garantir o cumprimento do mandado com segurança.

A Polícia Civil paulista recebeu informações de que Cigarreira e Didi já teriam deixado o país.

MORTO FOI ALVO DE EXTORSÃO

Policiais civis delatados por Gritzbach foram presos cerca de um mês após o assassinato no aeroporto, numa operação conjunta do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MPSP e da Polícia Federal.

Outros seriam detidos nos meses seguintes, chegando a um total de sete policiais civis presos no total, entre eles o delegado Fabio Baena. Outro delegado foi denunciado por participação no esquema e responde em liberdade. A defesa de Baena diz que as acusações são falsas e que a inocência será comprovada.

Na delação, ele havia entregado aos promotores provas de que os policiais pediam pagamentos e entrega de itens de luxo para ser favorecido na investigação da morte de Cara Preta.

Mensagens encontradas nos celulares mostram os policiais discutindo a entrega de relógios de luxo por Gritzbach e pedidos de propina. A investigação apontou que, além do achaque, policiais passaram a trocar informações com empresários ligados ao PCC.

Eles estão num grupo de 12 pessoas acusadas de lavagem de dinheiro e crimes contra a administração pública, como peculato e corrupção passiva. A primeira condenação pelos casos investigados nessa operação, a Tacitus, ocorreu há dois meses.

Marcelo Marques de Souza, o Bombom, recebeu a sentença de 11 anos e três meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, além da perda da função pública. A defesa dele recorreu e afirmou que considera o processo injusto.

A ESCOLTA

Um total de 15 PMs que trabalharam na escolta pessoal de Gritzbach foram presos e hoje são réus, acusados de integrar organização criminosa. A Corregedoria da PM entendeu que, além de oferecer um serviço ilegal, os policiais tinham conhecimento das relações do delator com o PCC.

Uma conexão entre a escolta e o núcleo que realizou o assassinato ainda resta a ser esclarecida. Genauro, acusado de ser o motorista do ataque, conheceu Gritzbach por intermédio do chefe da equipe de segurança particular, o tenente Giovanni Garcia.

Os dois tenentes eram colegas de turma do Curso de Formação de Oficiais da PM. Ao menos três pessoas ouvidas durante as investigações afirmaram que Genauro alugou veículos blindados que eram de propriedade de Gritzbach, sob justificativa que ele prestava serviço de segurança para autoridades.

Procurada pela Folha, a defesa de Garcia afirmou que vai provar a inocência dele.

HYDRA, AGUSTA E CORINTHIANS

As informações da delação premiada de Gritzbach resultaram em ao menos duas grandes operações do Gaeco contra esquemas de lavagem de dinheiro e corrupção. As duas tinham policiais envolvidos.

Em fevereiro, duas empresas do ramo financeiro foram alvo da Operação Hydra, sob suspeita de servirem para ocultar ocultar a origem e o destino de dinheiro em várias transações financeiras. Foi a primeira vez que o MPSP chamou atenção para os riscos da falta de controle sobre fintechs, empresas que usam tecnologia para oferecer novos serviços financeiros.

As fintechs haviam sido citadas na delação de Gritzbach. Depois, a Polícia Civil também identificou que uma empresa agenciadora de jogadores de futebol delatada por Gritzbach recebeu mais de R$ 1 milhão a partir de pagamentos feitos pelo Corinthians.