SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Rússia “está pronta para atender os apelos da Venezuela por ajuda” em caso de agravamento da crise militar causada pela pressão de Donald Trump sobre a ditadura de Nicolás Maduro.

A afirmação, feita nesta sexta-feira (7) pela porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova, sugere uma escalada ainda maior no conflito em formação no Caribe, mas precisa ser lida com cautela.

Segundo a reportagem ouviu de duas pessoas com conhecimento do tema em Moscou, a ideia de que Moscou irá fornecer armamentos sofisticados novos para Caracas é ótima para fins de propaganda de projeção de poder, mas na prática algo difícil de ocorrer.

Primeiro, porque Maduro é mau pagador. Desde a eclosão da pandemia de Covid-19, no início de 2020, diz uma pessoa ligada à área da Defesa, a Venezuela parou de cumprir com obrigações na aquisição de peças para manutenção de seu arsenal de origem russa.

Novos sistemas, cuja aquisição sempre é especulada, vieram de fornecedores mais baratos, como a China e o Irã. Isso inclui mísseis antinavio, ativos perigosos para a frota de oito embarcações que os EUA montaram na região, fora o deslocamento de caças avançados e outras capacidades militares.

Segundo, porque apesar de querer manter sua influência no quintal geoestratégico americano, Putin reluta em bater de frente com Trump.

É uma esgrima paralela à atual crise nuclear entre as potências, em que Moscou assevera seu poder com novas armas, levando o americano a ameaçar novos testes atômicos, o que gerou a réplica russa. Ao fim, Putin ganha musculatura no debate sobre como acabar com a Guerra da Ucrânia.

No caso da Venezuela, o argumento repetido por autoridades de escalões inferiores ao longo das últimas semanas é que não haveria por que não ajudar Maduro se os EUA fornecem armas para Kiev.

Ele soa lógico, mas os contextos são diversos. Interessa ao Kremlin a manutenção de uma imagem poderosa, mas a ideia ventilada por deputados russos de dar mísseis sofisticados, como o badalado modelo Orechnik, a Caracas é vista em Moscou como delirante —salvo a hipótese de Putin .

No começo da semana, um cargueiro russo Il-76 pousou em Caracas, alimentando especulação de que poderia trazer novas armas. Foi uma escala rápida rumo a Cuba, protagonista do embate indireto com os EUA durante a Guerra Fria entre Washington e Moscou, mas segundo as pessoas ouvidas pela reportagem nenhum sistema importante foi descarregado.

O arsenal russo na Venezuela é um filho direto da retomada do papel externo da Rússia sob Putin e do ciclo das commodities dos anos 2000. O governo de Hugo Chávez, o antecessor de Maduro morto em 2013, fechou um acordo para rearmar o país que o tornou, no papel, uma potência regional.

Foram vendidos 24 caças Sukhoi Su-30, 92 tanques T-72, 237 blindados de infantaria, 100 mil rifles AK-47, mísseis antinavio e sistemas de defesa antiaérea que não existem na América Latina, como o S-300 de longa distância e o Buk, de médio alcance. O quão esse material é operacional é dúvida devido às questões de manutenção.

Em númeos deflacionados, foram vendidos segundo a agência de exportação militar russa Rosoboronexport, qualquer coisa entre US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões de 2005 a 2013. Depois disso, já com Maduro tornando o regime autoritário numa ditadura de forma progressiva, as compras de Moscou minguaram.

Aqui e ali surgiram relatos de fornecimentos pontuais, mas eles deixaram de ser propagandeados pelas duas capitais. Na semana passada, com o cerco de Trump alegando combate ao narcotráfico mas admitindo o desejo de derrubar Maduro, o ditador pediu ajuda direta a Moscou, Pequim e Teerã, seus aliados.

A cautela é visível mesmo na fala de Zakharova, que gastou mais tempo dizendo que “qualquer escalada só leva a problemas ainda maiores”, ao pedir para que os EUA não promovam nenhum ataque aos venezuelanos.

Por ora, apesar do vaivém de Trump, que já anunciou ações da CIA em solo do rival só para depois negar invasão ou bombardeios, o foco das ações está no mar. Nesta quinta (6), houve mais um ataque no Caribe contra uma embarcação supostamente de traficantes, elevando para 69 o número de mortos pelos EUA ali e no Pacífico.

Mesmo os sinais mais evidentes de pressão militar americana são dúbios. Se na quinta houve o quarto sobrevoo de bombardeiros estratégicos perto de Caracas, uma demonstração de força, o porta-aviões USS Gerald Ford parece ter desacelarado em seu caminho rumo ao Caribe.

Segundo dados de sites de rastreio marítimo desta sexta, três dias após sair do Mediterrâneo, a maior belonave já construída ainda está parada próxima da costa do Marrocos, quando já poderia estar na metade do caminho para a Venezuela.