BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Cristina Kirchner teve de ser cobrada pelos juízes para aparecer na câmera no primeiro dia de um novo julgamento por suposta corrupção em seu mandato e o de seu marido, Nestor Kirchner. O caso chamado de “Cuadernos” envolve 65 empresários e 22 ex-funcionários do governo da Argentina.

“Nem todos os acusados aparecem diante das câmeras, é dever do tribunal garantir que essa leitura seja feita na presença deles, então peço que o façam”, disse o juiz Enrique Mendez Signori. Após a bronca, o advogado Carlos Beraldi, defensor da peronista, moveu a câmera para o lado para que ela pudesse ser vista.

A ex-presidente e mais 86 pessoas começaram a ser julgadas por corrupção na manhã desta quinta-feira (6), em um caso conhecido como “Cuadernos”. Este julgamento trata de um suposto esquema de propinas, baseado em anotações feitas por Oscar Centeno, ex-motorista de um funcionário do governo, que revelou supostos pagamentos ilegais entre empresários e autoridades.

Centeno alegou que Cristina estava envolvida no esquema, que foi descoberto por um repórter do jornal La Nación em 2018.

Ela é acusada de ter sido a beneficiária de pelo menos 38 pagamentos de US$ 17 milhões (R$ 91 milhões). O valor seria de desembolsos de empresários para manter seus contratos de obras públicas, segundo a acusação da promotoria.

Cristina e os demais réus não prestaram depoimento no primeiro dia de julgamento. A tendência é que as primeiras semanas sirvam apenas para que a promotoria apresente as acusações.

O julgamento ocorrerá sempre às quintas-feiras, por videoconferência, pois Cristina cumpre prisão domiciliar após uma sentença de seis anos em outro caso de corrupção relacionado a irregularidades na construção de rodovias, chamado “Vialidad”. Serão ouvidas 626 testemunhas.

As acusações contra Cristina incluem liderar uma associação criminosa e envolvimento em subornos. Outros réus incluem o ex-ministro de Infraestrutura Julio De Vido e o ex-funcionário do ministério Roberto Baratta. Entre os 65 empresários acusados estão Gerardo Ferreyra e Oscar Thomas.

As penas para os crimes vão de 1 a 10 anos de prisão; ex-funcionários são acusados de suborno passivo, enquanto empresários enfrentam acusações de suborno ativo. Se Cristina for considerada culpada, sua nova pena será somada à condenação anterior.

Durante a investigação, 21 réus, incluindo Centeno e empresários, assinaram acordos de colaboração que podem atenuar suas penas. Propostas de compensações financeiras feitas pelas defesas dos empresários para encerrar o caso foram rejeitadas pela promotoria.

Esse novo julgamento ocorre em um momento difícil para Cristina e para o Partido Justicialista, o principal do peronismo, após a derrota nas eleições legislativas de 26 de outubro. A ex-presidente sugeriu que as ações têm motivações políticas contra o movimento e se manifestou em suas redes sociais, criticando o processo judicial como uma farsa.

“Hoje começa mais uma farsa judicial em Comodoro Py [a sede dos tribunais federais na Argentina]. Parece que me prender e me banir para sempre no caso ‘Vialidad’ não foi suficiente: precisam manter essa farsa judicial viva para continuar me pressionando e, sobretudo, para desviar a atenção”, escreveu no X a ex-presidente pouco antes do início da audiência.

“Esse circo, como os anteriores, não segue um calendário judicial: segue um político. Mantiveram a ‘operação dos cadernos falsos’ congelada, sempre pronta para ser descongelada quando necessário. E agora… começa justamente quando se debate o futuro do trabalho e das pensões, no que constitui uma verdadeira agenda judicial a serviço das medidas de austeridade”, disse a peronista.