MUMBAI, ÍNDIA E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A fotografia de uma brasileira tornou-se peça central de uma acusação de fraude nas urnas da Índia. O órgão eleitoral do país está sob suspeita de conluio com o partido governista BJP (Bharatiya Janata Party, ou Partido do Povo Indiano) para manipular uma eleição local de 2024, vencida pela sigla do primeiro-ministro Narendra Modi.

Larrisa Nery, de Belo Horizonte (MG), apareceu nas capas dos principais jornais indianos nesta quinta-feira (6) depois de o líder da oposição, Rahul Gandhi, afirmar que a imagem dela foi usada repetidamente para criar eleitores falsos no estado de Haryana, no norte do país. Ele é o principal adversário político de Modi, líder do BJP.

De acordo com a denúncia, a fotografia de Nery apareceu 22 vezes, sob diferentes nomes hindus (Saraswati, Seema, Sweety, Rashmi e Vimla), em cédulas de eleitores de dez seções eleitorais do distrito de Rai, em Haryana.

“Quem é esta senhora? Quantos anos ela tem? De qual estado ela vem? Deem-me alguns palpites”, perguntou Gandhi (sem parentesco com o líder da independência indiana Mahatma Gandhi) a jornalistas em uma entrevista coletiva em Nova Déli na quarta (5). “Ela é do Brasil. Ela é uma modelo brasileira. Essa é uma fotografia de arquivo, e ela é um dos 2,5 milhões de registros semelhantes em Haryana.”

Na verdade, Nery não é modelo, e sim cabeleireira. Em entrevista por telefone, ela confirmou à Folha que a foto é dela e diz que posou para um amigo quando tinha 18 ou 20 anos. “Eu era muito amigo dele na época, e soube que ele colocou a foto na internet [para uso em bancos de imagem]. Não fazia ideia de que seria usada para enganar pessoas”, afirma.

Nery, 29, nunca esteve na Índia, e disse ter ficado muito assustada com o ocorrido. “Descobri na quarta, no horário do almoço, com jornalistas ligando pra mim. Eu tive medo, achei que era uma brincadeira de mau gosto. Qual a chance de algo assim acontecer? Ficar famosa na Índia por causa de um golpe?”, disse a cabeleireira.

“Ainda estou assutada, não sei onde isso vai chegar. Eles [jornalistas indianos] ligaram para mim, para meu local de trabalho. Eu sou uma pessoa comum, não sou modelo, não estou acostumada com essa visibilidade”, diz. “Fiquei muito chateada, porque a foto era pra ser usada em coisas boas, para vender porta-retratos, coisas assim. Não pra enganar ninguém.”

Na entrevista coletiva da quarta, Gandhi questionou “o que uma mulher brasileira está fazendo na lista eleitoral de Haryana” e afirmou que a duplicação foi um ação deliberada da CEI (Comissão Eleitoral da Índia). “Isso é para abrir uma brecha para que pessoas do BJP possam se movimentar e votar, elas podem vir de outros estados para votar”, acusou.

Gandhi afirma que a imagem de Nery está entre os de 2,5 milhões de eleitores supostamente falsos entre os 20 milhões de votantes de Haryana, que teriam sido usados para distorcer o resultado a favor do BJP.

Esperava-se que o partido Congresso Nacional Indiano, de Gandhi, vencesse as eleições para a Assembleia Estadual de Haryana, que possui 90 membros. O partido manteve-se à frente nas primeiras contagens de votos por correio, mas ficou para trás quando os votos eletrônicos foram contabilizados. O BJP, de Modi, levou 48 cadeiras, enquanto o Congresso ficou com 37, e outras siglas, 5.

Segundo Gandhi, sua assessoria identificou múltiplas fotografias repetidas, registros em massa em endereços únicos e eleitores listados simultaneamente em vários estados indianos.

Ele descreveu as irregularidades como parte de um esforço sistemático para alterar as listas de eleitores, possivelmente através de software. “Alguém inseriu esta senhora na lista eleitoral em um nível centralizado, não no âmbito da seção”, disse ele.

Gandhi exibiu a fotografia de outra mulher que apareceu em 223 registros de eleitores em duas seções eleitorais sob diferentes nomes, idades e endereços. Segundo ele, a CEI estava “ajudando o BJP” ao não ser transparente e supostamente manter as listas eleitorais corrompidas.

O órgão eleitoral rejeitou as acusações, dizendo que as listas eleitorais foram compartilhadas com todos os partidos políticos com bastante antecedência às eleições e que nenhuma objeção relativa às supostas irregularidades foi apresentada dentro do prazo prescrito. Gandhi argumentou que todo o exercício de verificação foi feito ao longo de muitos meses e, portanto, seria quase impossível apresentar reclamações a tempo.

Esta não é a primeira vez que Gandhi aponta supostas irregularidades durante a eleição. Em agosto, ele acusou a CEI de ajudar o BJP em fraude eleitoral em larga escala durante as eleições parlamentares de 2024. No mês seguinte, declarou ter havido manipulação em listas de eleitores em estados-chave. Ele afirmou que nomes foram seletivamente excluídos ou adicionados para distorcer os resultados e disse ter “100% de prova” de que o órgão eleitoral ignorou repetidas reclamações. A CEI classificou a acusação de infundada.