SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) voltou atrás e suspendeu a liminar que impedia o Ministério Público Federal (MPF) de investigar a operação policial nos complexos da Penha e do Alemão que deixou pelo menos 121 mortos e é a mais letal da história do país.
Conforme noticiou a Folha de S.Paulo, a proibição se deu por meio de uma liminar concedida pela conselheira do CNMP Fabiana Costa de Oliveira Barreto, que acolheu pedido do (MP-RJ) Ministério Público do Rio para barrar a entrada do seu homólogo federal na investigação.
No mesmo dia da operação, 28 e outubro, o procurador regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) adjunto, Julio José de Araujo Junior, do MPF, e o defensor regional dos Direitos Humanos, Thales Arcoverde Treiger, enviaram ofício ao governador Cláudio Castro (PL) solicitando detalhes sobre a Operação Contenção, deflagrada para combater o Comando Vermelho nos complexos da Penha e do Alemão.
Castro não respondeu, mas o MP-RJ recorreu ao CNMP a quem cabe orientar e fiscalizar todos os ramos do Ministério Público brasileiro para impedir a atuação do MPF no caso, e teve a solicitação deferida.
O procurador Araujo Junior, cujo trabalho foi impedido pela liminar, recorreu ao CNMP e teve nesta quinta-feira (6) o seu pedido acolhido.
No recurso em que pediu a suspensão dos efeitos da liminar até o julgamento definitivo do mérito, Araujo Junior afirmou que não houve extrapolação de atribuições, visto que sua atuação “não se confunde com o controle externo da atividade policial, mas se insere na prevenção da responsabilidade internacional do Brasil e no cumprimento de decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no Caso Favela Nova Brasília, em correlação com o julgamento do STF na ADPF nº 635 [ADPF das Favelas]”.
Afirmou ainda que a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, à qual é vinculado, integra o Sistema da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, “cuja função é dialogar com órgãos de Estado e sociedade civil na promoção de direitos humanos”, o que é amparado por lei, resoluções e recomendação do próprio CNMP.
O procurador alegou que o procedimento administrativo instaurado por ele “tem natureza de acompanhamento, e não de investigação, inexistindo qualquer ingerência sobre o MPRJ”, e teve por finalidade “instruir referido procedimento, e não usurpar função de controle externo” o que chamou de “diálogo interinstitucional” para o monitoramento do cumprimento de decisões judiciais e internacionais sobre letalidade policial.
Por fim, Araujo Junior ressaltou que o pedido de informações ao governador Castro “seguiu o mesmo padrão de comunicações anteriores, sem interferência na atuação funcional do Ministério Público estadual” e afirmou que tramita na Justiça Federal processo de cumprimento da sentença da CIDH no caso Favela Nova Brasília, cuja competência foi reconhecida pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado do RJ, “o que demonstraria a legitimidade da atuação federal na matéria”.
Em sua decisão, a conselheira Fabiana Barreto, promotora do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, mencionou que há “tratativas em curso entre o MPF e o MPRJ, destinadas a harmonizar a atuação das instituições na execução simultânea das decisões proferidas pela CIDH e pelo STF”.
“Essas tratativas indicam esforço cooperativo legítimo e recomendam prudência quanto à manutenção de restrições que possam interferir na construção de uma solução institucional consensual e coordenada”.
A promotora reconheceu a “inevitável sobreposição entre as esferas de execução da decisão internacional da CIDH e das ordens estruturais da ADPF nº 635 [das Favelas]” e escreveu que, com “a existência de mecanismos de coordenação em andamento, mostra-se mais adequado suspender os efeitos da liminar anteriormente deferida”.
“Essa medida preserva o espaço de cooperação e diálogo interinstitucional, assegura o exercício legítimo das funções do Sistema PFDC e evita a consolidação de interpretações restritivas que possam comprometer o funcionamento coordenado dos ramos do Ministério Público brasileiro”, afirmou na decisão, ressaltando que a suspensão “não implica reforma do entendimento quanto à autonomia do MPRJ, mas apenas a substituição de uma tutela inibitória por uma solução prudencial e deferente ao processo de convergência institucional em curso”.
A decisão veio após pressão da sociedade civil, sobretudo de entidades de direitos humanos. Em nota publicada no sábado (1º), a Comissão Arns considerou “especialmente preocupante” que a Defensoria do Rio tenha sido impedida de acompanhar perícias “e que o Conselho Nacional do Ministério Público, em medida liminar, afaste os esforços promovidos pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, na elucidação dos fatos”.
Na quarta, cerca de 20 dessas entidades participaram de audiência no Supremo Tribunal Federal com o ministro Alexandre de Moraes, relator da chamada ADPF das Favelas, e o veto do CNMP à investigação da operação por parte do Ministério Público Federal foi alvo de críticas.




