OURO PRETO, MG (FOLHAPRESS) – A propriedade rural gerida por José Vicente dos Santos fica em frente a um empreendimento da RS Mineração, na Serra do Botafogo, zona rural de Ouro Preto, região central de Minas Gerais.
No fim do ano passado, durante o último período chuvoso, parte da pilha de rejeitos da mineradora deslizou e atingiu o lago da propriedade, que fica a cerca de cem metros de distância.
O episódio causou a morte de diversos peixes e prejudicou outras fontes de renda de Vicente, ao impedir a irrigação da horta e a produção de queijo.
“Da próxima vez, para onde esses rejeitos vão?”, questiona Vicente, que afirma temer por um novo deslizamento no atual período chuvoso.
As pilhas de rejeito surgiram como alternativa às barragens a montante, cujos rompimentos provocaram as tragédias de Mariana, há dez anos, e de Brumadinho, em 2019, ambas em Minas Gerais.
A reportagem procurou a RS Mineração por meio de um de seus sócios, Claudio Silveira Junior, mas ele não retornou às tentativas de contato.
O projeto minerário da empresa teve licenciamento ambiental aprovado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) em setembro de 2022.
Na época, a RS afirmou que suas pilhas de rejeito e estéril poderiam chegar a dois hectares de área útil, com altura máxima de 25 metros.
A atividade de lavra a céu aberto de minério de ferro teve produção bruta projetada de 300 mil toneladas ao ano, com área total de 15 hectares do empreendimento.
A Semad também não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o episódio do deslizamento da RS e se alguma sanção foi determinada à mineradora.
O projeto fica na Serra do Botafogo, mesma área onde a mineradora Patrimônio, alvo da Operação Rejeito, da Polícia Federal, é suspeita de causar dano ambiental com o soterramento de uma caverna.
A RS Mineração não foi alvo da operação e segue atuando no local.
Uma legislação em vigor em Minas desde 2019 proibiu as barragens de alteamento a montante, sendo as mineradoras com esse tipo de projeto obrigadas a promoverem sua descaracterização.
Já as pilhas de rejeito operam com empilhamento de resíduo sólido em partículas, não lamoso, como as barragens de Brumadinho, da Vale, e de Mariana, da Samarco (controlada por Vale e BHP).
Para especialistas, a falta de fiscalização e de um marco regulatório para esse tipo de empreendimento contribuem para a continuidade dos riscos dos rejeitos minerários, que tendem a evoluir com as ocorrências de chuvas torrenciais, cada vez mais frequentes.
“Estamos com uma proposta feita de forma emergencial por causa da ruptura das barragens, mas não há uma adequação da regulamentação para uma técnica muito pouco testada anteriormente”, afirma Lia de Mendonça Porto, professora de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
A ANM (Agência Nacional de Mineração), responsável pela fiscalização da atividade minerária, diz que uma reestruturação no órgão em agosto passou a prever uma equipe de dez servidores para a fiscalização exclusiva das pilhas de rejeitos e de estéril, que até então não existia.
A equipe tem duas coordenações, e uma delas será responsável pela fiscalização das pilhas apenas em Minas Gerais, território que possuía 964 desses projetos ao fim de 2024. Em todo o país, eram 3.371 pilhas de mineração cadastradas pela agência no ano passado.
“A equipe vem atuando na depuração do banco de dados, na revisão das informações processuais e no desenvolvimento de instrumentos técnicos que subsidiarão as futuras ações fiscalizatórias”, diz a ANM, acrescentando que os protocolos devem ser implementados em 2026.
Para a professora Adivane Costa, do Departamento de Geologia da UFOP, as pilhas poderiam se tornar soluções melhores que as barragens em uma situação de regras bem definidas, alta fiscalização e com uma tecnologia que não as deixasse expostas ao vento e às chuvas.
“As pilhas de rejeito contêm ferro e manganês, que quando entram na corrente atmosférica ou da drenagem [fluxo de água que passa pela pilha] funcionam como uma esponja para elementos tóxicos que possam existir”, diz.
Entre esses elementos estariam o arsênio e o mercúrio, associados à região por causa do garimpo do ouro. Essas partículas tóxicas poderiam contaminar as pessoas, por meio da respiração, ou os peixes, pela corrente fluvial.
A professora também destaca a ocorrência de outros incidentes com projetos de pilhas no estado, ao citar os casos da Valourec, em Nova Lima em 2022, e da Jaguar Mining, em Conceição do Pará, no ano passado.
“Essas duas eram os grandes modelos, vamos dizer assim, de pilha de rejeito, de um novo modelo de disposição de rejeito, e teve escorregamentos”, diz Costa.
Outros projetos de pilhas em Minas incluem empreendimentos que podem ultrapassar os 200 metros de altura, como da CSN, em Congonhas, e da Samarco, em região inclusive próxima ao território de Bento Rodrigues, atingido pela barragem de Fundão há dez anos.
“Quanto mais alta a pilha, maior a velocidade de vento [que a atinge]. Então, a tendência é você ter ventos com maior velocidade podendo carregar esse material particular para distâncias maiores”, diz a professora Lia Porto.




