BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Como ficariam setores estratégicos da economia e as maiores cidades do Brasil caso a temperatura subisse 2°C acima do período pré-industrial? A resposta estará em um novo portal de dados que será lançado nesta sexta-feira (7). A apresentação simultânea ocorre em São Paulo e no Pará, dentro da agenda que antecede a COP30.
Para Belém, a sede da conferência do clima, por exemplo, a plataforma detalha que a extrapolação da temperatura teria efeitos devastadores. Estariam em locais alagáveis praticamente dois terços da rede elétrica 66,3%, ou 107 km e quase metade da malha viária precisamente 48,3% do sistema, 174 km de ruas. Cerca de 56% da população estaria em áreas de alto e extremo risco de sofrer com efeitos das chuvas sete vezes mais que hoje.
O calor seria insuportável. Quase todos os 1,3 milhão de habitantes da cidade viveriam sob a chamada temperatura máxima diária de bulbo úmido, quando o corpo já tem dificuldade de se resfriar por meio da transpiração.
Batizado de “Brasil em um Mundo +2°C” ou apenas “BR+2°C”, a ferramenta é fruto de uma iniciativa privada e será oferecida gratuitamente ao público com o intuito de democratizar informações (pode ser acessada neste link).
Foi desenvolvida em parceria entre a empresa espanhola de tecnologia Lobelia Earth, especializada em análise de dados da emergência climática, e o Instituto Itaúsa, entidade sem fins lucrativos criada pela Itaúsa, holding de negócio com participações em empresas como Itaú Unibanco e Alpargatas.
O sistema é de fácil leitura e terá versão para celular. Compara a situação climática atual do país com o cenário futuro por meio de análises e informação gráfica. O usuário consegue traçar paralelos com mapas e indicadores.
A base de dados é sustentada por sofisticação tecnológica. Explica, por exemplo, como secas, incêndios, deslizamentos, enchentes ou ventos extremos podem afetar segmentos da economia. Mostra ainda como municípios com população acima de 50 mil habitantes podem ser impactados.
A ferramenta também cruza cenários climáticos e projeções ambientais, como desmatamento e saúde do solo. Essa abordagem considera que degradação florestal e desmatamento não são apenas temas ecológicos, mas fatores que prejudicam a infraestrutura.
O líder da área de Sustentabilidade da Itaúsa e diretor executivo do Instituto Itaúsa, Marcelo Furtado, explica que a plataforma, além de permitir que empresas, produtores rurais e gestores públicos identifiquem seus riscos climáticos e de natureza, viabiliza estratégias de prevenção.
“Ninguém quer que a temperatura aumente acima de 1,5°C, muito menos 2°C, mas custa muito, econômica e socialmente, não fazer nada e lidar com os desastres climáticos. Essa ferramenta gera inteligência para que se busque adaptação e resiliência enquanto a transição é feita”, diz Furtado.
O executivo destaca ainda que o sistema oferece apoio ao cumprimento da Resolução 193 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Pelo regramento, companhias abertas no Brasil terão de divulgar, a partir do ano que vem, relatórios de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade com base nos padrões internacionais.
Na prática, isso significa que terão de identificar e informar seus riscos climáticos e medidas de adaptação, para deixar investidores e acionistas minoritários cientes das possibilidades de perdas em um cenário mais adverso.
Nas empresas da Itaúsa, esse potencial da plataforma já está sendo avaliado pela Dexco. A companhia é a maior produtora de painéis de madeira industrializada do país, referência na produção de louças e metais no hemisfério Sul e uma das maiores fabricantes de revestimentos do país. A companhia reúne o maior número de marcas do Brasil para materiais de construção, reforma e decoração, incluindo Deca, Hydra, Duratex e Durafloor.
Lennon Neto, especialista em Sustentabilidade da Dexco, acompanha a implantação da ferramenta e conta que conseguiu apurar diferentes riscos corporativos com o aumento da temperatura.
A Dexco, por exemplo, recebe insumo de florestas de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Alagoas, e há indicativo de redução de chuvas no Triângulo Mineiro. Essa informação, explica Lennon, vai ser usada para direcionar o melhoramento genético do eucalipto, selecionando espécies mais preparadas para essa nova condição. Também foi constatado crescente risco de incêndios florestais, o que coloca no radar a necessidade de mais investimentos na infraestrutura de prevenção e combate ao fogo.
A companhia ainda registrou na plataforma as suas rotas de transporte, das fazendas às fábricas e das fábricas aos consumidores, identificando pontos de eventuais gargalos, como enchentes em pontes e estradas, o que permite o planejamento de rotas alternativas.
“Eu diria que o resultado foi muito surpreendente”, conta o diretor de relações com investidores e ESG da Dexco, Guilherme Setúbal. “Imaginei que a aplicação seria mais teórica, mas a ferramenta mostra na prática qual vai ser o efeito de uma subida de temperatura nesse nível de 2°C”, diz Setúbal.
A plataforma é considerada um dos trabalhos mais complexos feitos pela Lobelia, devido à amplitude do georreferenciamento e à gama de correlações de setores econômicos que é capaz de fazer para um país com o tamanho e as disparidades do Brasil, explica a diretora executiva da empresa, Laia Romero.
“A plataforma faz um raio-x dos impactos em setores econômicos, e isso é inovador dentro da Lobelia e inovador dentro do contexto de dados do Brasil”, explica Thaís Fontenelle, líder do projeto pela equipe da Lobelia Earth.




