BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Diplomatas brasileiros têm contado com colegas italianos para convencer os europeus na agenda sobre biocombustíveis. Ao longo do ano, delegações do Brasil e da Itália se reuniram em fóruns mundiais sobre o tema, que ganhou força a ponto de avançar nas negociações internas da União Europeia sobre mudanças climáticas, tradicionalmente resistente à produção de combustíveis com matéria-prima orgânica.
A Itália conseguiu, por exemplo, que o Conselho Europeu do Ambiente, órgão da UE que reúne ministros da área, se comprometesse nesta semana a reconhecer em suas legislações o papel dos biocombustíveis no setor de transporte rodoviário hoje, o bloco mira a eletrificação de veículos para a próxima década.
Além disso, a Itália será uma das assinantes do acordo a ser proposto pelo Brasil na COP30, em Belém, nesta sexta-feira (6), que visa quadruplicar a produção de combustíveis sustentáveis até 2035. O comprometimento do bloco como todo é improvável, mas a Folha apurou que a Holanda também deve aderir ao objetivo.
O continente é visto pelo governo brasileiro como fundamental no crescimento desse mercado, uma vez que a União Europeia tem hoje as políticas ambientais mais avançadas do mundo. A indústria de combustíveis do país enxerga potencial demanda a partir das regras do bloco que obrigam alguns setores, como transporte e indústria química, a reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos.
Reguladores do bloco, no entanto, sempre demonstraram resistência à agenda. No governo da Alemanha, país que tende a influenciar as regras ambientais da UE, é comum a ideia de que biocombustíveis competem com a produção de alimentos, o que poderia gerar insegurança alimentar no mundo. Além disso, há temor de que a produção de matéria-prima para esses combustíveis possa desencadear aumento no desmatamento, o que diminuiria a absorção de carbono da atmosfera.
Por isso, as principais soluções de descarbonização do bloco passam pela eletrificação de veículos e processos industriais e pelo desenvolvimento de uma cadeia de hidrogênio verde, combustível produzido a partir da separação de moléculas de água com energia renovável. Em sua grande maioria, os biocombustíveis são aceitos pelo bloco apenas quando não vêm de culturas comestíveis o que afasta milho, soja, cana-de-açúcar e palma, cultivos nos quais o Brasil tem força.
Mas os italianos, com menos influência dentro do bloco que os alemães, pensam diferente. O país vê nos biocombustíveis uma forma de reduzir suas emissões de carbono sem necessariamente mudar a rota de produção de alguns setores importantes para a sua economia, como a indústria automobilística.
O governo da Itália, liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni, tem atuado dentro da UE, por exemplo, para que o bloco aceite os biocombustíveis como uma alternativa à gasolina e ao diesel no setor rodoviário. O receio dos italianos é de que obrigar a eletrificação do mercado pode prejudicar a indústria automobilística europeia, bem menos evoluída do que a chinesa em tecnologias de eletrificação as montadoras da China já ocupam quase 10% do mercado europeu.
Nesta semana, em meio a negociações com os alemães, o governo de Meloni conseguiu emplacar uma sugestão de regulamentação do bloco que o setor de uso da terra, termo técnico associado em parte à agricultura, “tem potencial de contribuir para a transição limpa da economia da UE e reduzir dependências através da substituição de materiais de origem fóssil”. A UE também se comprometeu a ajudar as montadoras europeias.
A pauta também é puxada pela Eni, petrolífera estatal da Itália; a empresa tem convertido algumas de suas refinarias em biorrefinarias, em direção semelhante à tomada pela Petrobras. A Eni faz parte de associações que visam difundir a agenda de biocombustíveis no continente, como a FuelsEurope, que reúne petroleiras com operação na Europa, como Shell, Total Energies, BP e Repsol.
“A Europa está sofrendo com uma grave crise econômica, e a UE está cada vez mais exposta a tensões geopolíticas, dependências econômicas e ao risco de desindustrialização, que dificultam a competitividade econômica e uma realização bem-sucedida da transição energética. Mas a legislação ambiental da UE não considera o que está acontecendo fora da UE e promove uma tecnologia em detrimento de outras”, diz Emanuela Sardellitti, executiva sênior da FuelsEurope. “É por isso que a Itália está interessada em desenvolver um amplo portfólio de tecnologias de baixo carbono e não apostar em apenas uma.”
Itália e Brasil fazem parte de fóruns sobre biocombustíveis, como a Aliança Global de Biocombustíveis e a plataforma de biocombustíveis da Clean Energy Ministerial, que hoje é presidida por um italiano, o professor David Chiaramonti, da universidade Politecnico di Torino.
À Folha, ele pontua que a Itália tem ajudado a UE a dimensionar as dificuldades das alternativas hoje incentivadas pelo bloco.
“A Europa está promovendo a eletricidade e outros vetores de energia sustentável para o setor de transportes, mas uma série de considerações precisa ser feita sobre a mudança para o elétrico. Implementar a eletrificação no curto prazo em uma escala tão grande não é tão simples, devido aos investimentos significativos e transformações industriais que são necessários, além grande quantidade de eletricidade renovável que precisa ser produzida sem desequilibrar a malha”, diz ele.
“E nos últimos anos houve muita inovação no setor de biocombustíveis; a produção sustentável de matéria-prima é hoje possível e já implementada por muitos agricultores em várias regiões do mundo.”
A parceria entre os dois países será reafirmada nesta sexta, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convidará os líderes de países presentes na Cúpula do Clima, em Belém, a se comprometerem a quadruplicar a produção global de combustíveis sustentáveis, entre eles os biocombustíveis.
O acordo é fruto de um relatório da AIE (Agência Internacional de Energia), que em outubro constatou que, caso os países executem políticas prometidas, a produção de combustíveis sustentáveis, entre eles os biocombustíveis, pode quadruplicar.
“A aderência da Europa a essa agenda é importantíssima”, diz Glaucia Mendes Souza, professora titular da USP e líder da força-tarefa de descarbonização do transporte com biocombustíveis da AIE. “O problema é que na hora de fazer as contas sobre o tema, eles supõem muitas coisas, porque não conhecem o modelo de produção do Brasil.”




