SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A partir de março do ano que vem, quando entrar em vigor o ECA Digital, todo mundo terá de provar que têm mais de 16 anos para conseguir usar redes sociais no celular ou computador, e 18 anos para acessar sites de bets, pornografia ou comprar bebidas alcoólicas online.
Mas, a cinco meses da implementação da lei de proteção de crianças e adolescentes em ambientes online, ainda não se sabe como será feita essa aferição de idade.
O governo está debatendo alguns métodos de aferição de idade. O principal são as carteiras digitais, aplicativos que armazenam credenciais atestando a faixa etária do usuário.
Esses tokens, ou credenciais, sinalizam que o usuário é “maior de 18 anos” ou “maior de 16 anos”, determinando quais aplicativos ele ou ela pode baixar das lojas de apps e quais sites tem permissão de acessar.
De acordo com a lei 15.211, o ECA digital, usuários de até 16 anos só poderão manter contas em redes sociais vinculadas a seus responsáveis legais.
Segundo Ricardo de Lins e Horta, secretário Nacional de Direitos Digitais substituto, o ideal seria ter soluções públicas, por meio do gov.br, e privadas, com a certificação de aplicativos que forneceriam essas credenciais de idade.
“Estamos conversando com o Ministério da Gestão e Inovação para viabilizar uma solução via gov.br e estimulando agentes privados brasileiros e estrangeiros a mostrarem soluções”, diz Horta.
Uma segunda opção de aferição seria o chamado Open Banking os bancos têm informações sobre a idade de seus correntistas e podem emitir esses certificados.
Tudo isso só será necessário para “conteúdo, produto ou serviço cuja oferta ou acesso seja impróprio, inadequado ou proibido para menores de 18 anos”. Sites ou aplicativos como o da Folha de S.Paulo, por exemplo, ou streaming de áudio, não precisam de aferição de idade.
O Ministério da Justiça lançou em 15 de outubro uma consulta pública para ouvir as plataformas de internet, usuários e sociedade civil sobre quais soluções seriam as mais convenientes.
“O mundo inteiro está tentando achar a solução ideal, que respeita a privacidade, não coleta muitos dados, mas é eficiente, diz Maria Mello, líder do Eixo Digital do Instituto Alana.
Mecanismos que exigem reconhecimento facial ou armazenamento de documentos, por exemplo, são mais invasivos e violam a privacidade.
Muitas plataformas e aplicativos preferiam que tudo ficasse como é hoje: existe apenas a verificação de idade por autodeclaração, a pessoa simplesmente responde sim ou não à pergunta: “você tem mais de 18 anos?”
Mas a autodeclaração é expressamente vedada pela nova lei. “Autodeclaração é totalmente ineficaz e transfere a responsabilidade para a criança, é o menos indicado de todos”, diz Mello. Embora muitas redes sociais estabeleçam 13 anos como idade mínima para criação de perfis, a regra não é cumprida.
O movimento de proteção de crianças online é mundial.
No Reino Unido, a Lei de Segurança Online exige aferição de idade por sites e aplicativos de conteúdo pornográfico.
Na União Europeia, há um programa piloto na Dinamarca, Espanha, França, Grécia e Itália testando a aferição de idade por meio de carteira digital.
Na Austrália, a partir de 10 de dezembro, adolescentes com menos de 16 anos não poderão criar perfis em redes sociais, nem em aplicativos de compartilhamento de vídeos.
Nos Estados Unidos, leis estaduais de proteção infantil online entram em vigor em janeiro no Texas, maio em Utah e julho na Louisiana. Essas leis exigem que a Play Store do Google e a App Store da Apple verifiquem a idade dos usuários e obtenham autorização dos pais para que menores possam usar a loja.
Em algumas regiões dos EUA, o Google passou a exigir verificação etária em sua loja de aplicativos em certas regiões dos EUA para baixar determinados apps. A verificação se dá por meio de carteira de motorista, selfie (biométrica), cartão de crédito ou serviços de verificação etária de terceiros.
No Brasil, ainda não há previsão para adoção dessas medidas, segundo o Google.
“O Google já implementa uma série de políticas e tecnologias no Brasil e globalmente para promover experiências mais seguras para jovens e permanece comprometido em seguir colaborando para enfrentar os desafios técnicos e de privacidade envolvidos na implementação da nova lei”, disse a empresa à Folha de S.Paulo por meio de nota.
Aplicativos de entregas de restaurante e de mobilidade já começam a se adaptar. Alguns estão estimulando os usuários a deixarem suas contas “verificadas”.
Os aplicativos pedem CPF ou data de nascimento do usuário e então cruzam as informações com instituições financeiras, para confirmar a faixa etária. Sem estarem verificados com esses atestados de faixa etária, os usuários não poderão comprar cerveja, por exemplo.
A ideia é ter um método de aferição mais simples possível, para que as plataformas não percam vendas de bebidas alcoólicas, que são grande parte do faturamento.
As bets legalizadas já exigem verificação de identidade para acessar bets, com cadastramento de CPF, identificação, reconhecimento facial.
O ECA digital foi sancionado em setembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e entra em vigor em março. Mas empresas como o Google pressionam para ter um prazo maior para se adaptarem.
“Uma vez definidos os métodos, será necessário ter uma campanha educativa ampla, para as pessoas entenderem por que precisam passar por aferição de idade e como isso pode ser feito”, diz Mello do Alana. “Senão, vai chegar no momento de a lei entrar em vigor e pouca gente vai estar sabendo.”




