BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Empresários da indústria, comércio e serviços atuaram para impedir a ampliação pela Câmara da licença-paternidade para 30 dias, com o argumento de que isso poderá ter impacto sobre a mão de obra e onerar o setor produtivo, segundo documentos e relatos de parlamentares e assessores.

O prazo de um mês de afastamento para o pai participar dos cuidados do filho era defendido pelo governo Lula (PT) e pela bancada feminina, mas o lobby das empresas nos bastidores do Congresso influenciou na aprovação, na terça-feira (4), da ampliação de 5 para 20 dias, com aumento gradual a partir de 2027.

O parecer inicial do deputado Pedro Campos (PSB-PE), relator do projeto, previa chegar a 30 dias de licença em 2031.

A pressão contra a ampliação ocorreu mesmo com o projeto transferindo o custo da licença-paternidade para a Previdência Social. A estimativa é de que o custo para os cofres públicos começará em R$ 3,3 bilhões em 2027, quando a licença passaria a ser de 10 dias. Hoje, o trabalhador celetista tem direito a 5 dias corridos de afastamento, bancado pela empresa.

Entre os principais atores do lobby estavam CNI (Confederação Nacional da Indústria) e FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), que tentavam limitar a licença a no máximo 15 dias.

A aprovação foi antecedida por uma tensa negociação de última hora entre líderes partidários favoráveis e contrários ao período de 30 dias, em uma reunião fechada na presidência da Câmara. Diante da ameaça de que o projeto seria retirado da pauta, deputados a favor da licença pactuaram a redução de prazo.

Entre os que defenderam a redução da licença estavam o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL).

O líder do União Brasil, Pedro Lucas (MA), apresentou emenda para que o benefício fosse de 15 dias, ampliado em mais cinco dias se houvesse espaço fiscal. Os líderes do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), e do Republicanos, Gilberto Abramo (MG), assinaram outra emenda, para limitar a 20 dias.

Procuradas pela reportagem, a CNI afirmou que não iria se manifestar e a FecomercioSP disse que seu posicionamento está contemplado nos argumentos sobre o tema. Motta e Isnaldo Bulhões não responderam.

Pedro Lucas diz que sua emenda não tem relação com a CNI e foi alinhada com “outros líderes para avançar com a discussão”.

No plenário, apenas o partido Novo e Kim Kataguiri (União Brasil-SP) se posicionaram contra o projeto, aprovado em votação simbólica. A licença de 30 dias tinha apoio de deputados da esquerda à direita, reunindo nomes do PSOL e do PL.

Pedro Campos chegou a adaptar o texto para atender a uma demanda dos empresários, e determinou que a compensação da Previdência para as micro e pequenas empresas pudesse ser feita por meio de qualquer tributo federal, o que acelera o reembolso pelo pagamento da licença-paternidade. Ainda assim, a CNI se manteve contra o projeto.

Publicamente, a entidade divulga políticas para a redução da desigualdade de gênero e fez estudos sobre a mulher no mercado de trabalho e em posições de chefia.

A CNI demonstrou interesse no tema desde a preparação do projeto, quando integrou um grupo de trabalho da Câmara, criado em 2023 e que impulsionou a aprovação. A confederação sugeriu, no GT, que a licença fosse custeada pela União.

Em sua agenda legislativa de 2025, documento que elenca as prioridades da entidade no Congresso, a CNI expressa divergência com o tema, apesar de considerá-lo meritório. “O aumento da licença-paternidade seria melhor tratado no âmbito do programa Empresa Cidadã […] ou por meio de negociação coletiva, que permite atender às peculiaridades do caso concreto”, diz.

O Empresa Cidadã é um programa do governo que amplia o período de licença mediante a concessão de benefícios fiscais.

“A ausência ao trabalho de um empregado pode assinalar sensível redução da mão de obra, em especial para as micro e pequenas empresas, principais empregadoras”, afirma ainda.

Emenda da CNI que circulou entre alguns gabinetes e obtida pela reportagem era ainda mais restritiva. A intenção era limitar o benefício a 7 dias, entre 2028 e 2029, e 15 dias, a partir de 2030. Além disso, o pai só teria direito a nova licença-paternidade após dois anos se o filho não fosse da mesma mãe.

Na justificativa, era citado que 79 de 197 países estudados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) não preveem licença-paternidade, e que a média geral é de 9 dias.

“A ausência do empregado por de 30 a 60 dias enseja inevitável redução na produtividade pela falta de pessoal. Ainda que se contrate temporariamente alguém para a vaga, o novo empregado levará um tempo para se adaptar à função”, diz a justificativa da emenda, que não chegou a ser encampada por nenhum deputado.

Uma mensagem de WhatsApp sem autoria identificada foi enviada aos parlamentares com os mesmos argumentos da CNI, citando dados da OIT e defendendo o programa Empresa Cidadã ou a negociação coletiva.

“Deve-se afastar qualquer forma de estabilidade provisória, sobretudo porque se trata de paternidade e não maternidade, situação em que a comprovação da condição é mais complexa e que não justifica uma proteção trabalhista adicional”, diz o texto.

A FecomercioSP também sugeriu a deputados um texto legislativo, obtido pela reportagem, com os mesmos argumentos para impor um limite de 15 dias. Para a entidade, as pequenas e médias empresas teriam “custos operacionais de contratação para a substituição dos empregados […], como também de treinamento da mão de obra substituta, com reflexo relevante na produtividade”.

A Frente Parlamentar do Livre Mercado, que reúne 173 deputados, foi outra a divulgar posicionamento contrário em mensagens aos parlamentares, afirmando que benefício não teria “qualquer retorno em eficiência”. Como alternativa, a frente prega a licença parental conjunta, dividida entre o pai e a mãe.

Apesar da atuação para reduzir a licença, Motta discursou em plenário após a aprovação para destacar que “o projeto simboliza o combate a uma desigualdade histórica”. “A Câmara vota a favor da família brasileira. […] Sou pai de dois filhos e sei que mãe é mãe. Independentemente de qualquer coisa, é fundamental estarmos próximos dos nossos filhos”, afirmou.

Defensores da licença de 30 dias, por sua vez, argumentam que a presença do pai fomenta o desenvolvimento infantil e reduz a ocorrência de transtornos mentais para as mães.

Além disso, apontam que 70% das empresas que oferecem licença reportam aumento da produtividade, segundo pesquisa da Ernst Young, e 65% dos pequenos negócios não veem problema na licença-maternidade, segundo levantamento do Sebrae.