SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ampliação da licença-paternidade de cinco para 20 dias, aprovada na Câmara dos Deputados, coloca no centro do debate a responsabilidade parental desde os primeiros dias de cuidado com os filhos, mas o período de afastamento ainda é considerado insuficiente por pais solo e mães ouvidos pela reportagem.

Para Thiago Ferreira, 42, pai solo de quatro crianças, cinco dias era muito pouco, mas 20 dias ainda fazem pouca diferença. “O que o pai faz? Vai colocar na creche com 20 dias? É complicado”, diz.

Pouco antes da primeira gravidez de sua esposa, Ferreira foi demitido de seu emprego formal em uma construtora. “Eu via a CLT como uma segurança. Só que eu percebi que, no fundo, não é bem assim. Se a empresa precisar te demitir, ela vai te demitir.”

Pelo projeto aprovado, a licença será de dez dias em 2027, passará para 15 dias em 2028 e, se o governo alcançar a meta fiscal, subirá para 20 dias em 2029. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado Federal.

A esposa já tinha deixado o trabalho para montar um escritório de arquitetura. “A gente sempre quis empreender, e eu nunca mais voltei a trabalhar [num emprego formal]”, conta Thiago. O menino mais velho, Dante, hoje com sete anos, nasceu com síndrome de Down.

A mãe morreu há dois anos, aos 36, após três meses de tratamento de um câncer em estágio avançado. A rotina impedia Thiago de atender seus clientes no escritório, então ele resolveu abrir um perfil no Instagram, o @pai.solo.thiago, para contar sua história. Hoje, com mais de 1 milhão de seguidores, vive como influenciador digital.

“A internet me dá mais flexibilidade para eu conseguir atender as demandas aqui com eles, da casa, a parte financeira também. Seria muito difícil caso eu fosse um funcionário CLT. Quem gostaria de contratar um pai solo, de quatro crianças, sendo que em dois dias da semana ele vai precisar sair para levar os filhos na terapia?”, questiona.

Ferreira reconhece a importância da licença-paternidade para a vida da mãe. “O pai estar junto é essencial. Ter essa presença do casal, dividindo os primeiros momentos com a criança, dividindo essa angústia, esse entendimento.”

O palestrante Ton Kohler é pai solo de duas crianças —Pedro, 11, e Mariana, 8. Ele costumava trabalhar no regime com carteira assinada como especialista em desenvolvimento de negócios e marketing em uma multinacional e conta que, como ambos seus filhos nasceram em finais de semana, não conseguiu aproveitar metade de sua licença-paternidade, de cinco dias na época.

No primeiro filho, Kohler tirou cinco dias de licença, mais dez de férias, e acredita que foi pouquíssimo tempo. “Quando eu voltei ao meu trabalho, é como se eu estivesse deixando algo muito mal resolvido dentro da minha casa”, diz.

“A licença, na minha opinião, não é um benefício para o pai. É um direito da criança. É um direito de apoio à mãe. É um ato de civilização a respeito de um equilíbrio parental”, afirma.

Após a morte de sua esposa em 2018, Kohler criou um perfil no Instagram, o @papaiemdobro, para compartilhar sua rotina como pai. Ele comenta que a maioria de seu público é feminino.

“As mulheres se interessam muito mais por conteúdos relacionados à paternidade do que os homens. Elas enviam esses conteúdos para os maridos. Os homens, infelizmente, se interessam muito pouco por esse assunto. Por isso que nós temos uma licença-paternidade tão antiga, tão retrógrada”, afirma. O influenciador acredita que a ampliação do período de licença pode ajudar a mudar esse contexto cultural.

O número de pais solo no Brasil aumentou 33% de 2000 a 2022, segundo dados do último Censo, de 1,5% para 2% em duas décadas, o que soma 1,2 milhão de famílias. O levantamento ainda apontou que 49,1% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres.

A executiva de marketing Samira Salomão, 49, teve seu primeiro filho aos 22 anos, que nasceu com o lado direito do corpo paralisado após um diagnóstico de toxoplasmose da mãe. Na época, ela morava em Mato Grosso, e precisava comparecer a consultas de fisioterapia em São Paulo.

Um ano e meio depois, nasceu sua segunda filha. “Eu não tinha com quem deixar as crianças, então eu precisava levar todo mundo junto, de ônibus”, relata. Samira deixou seu trabalho em um supermercado para dar conta de tudo. “Se o pai tivesse ao menos liberação nos dias de fisioterapia, poderia ter sido mais leve”, relata.

Ela conta que o chefe de seu marido, na época, não o deixou tirar nem a licença-paternidade de cinco dias para ajudá-la. Se levado à Justiça do Trabalho, o não cumprimento do benefício pode acarretar em indenizações por danos morais e multa à empresa.

A professora de confeitaria Juliana Helena, 33, conta, que, quando seu filho nasceu, no dia 1º de janeiro de 2025, o pai precisou usar suas férias para ajudar com o bebê.

Juliana, como MEI (Microempreendedora Individual), teve um atraso em seu salário-maternidade e dependeu da renda do cônjuge por um tempo. “Cinco dias é pouquíssimo tempo. A mulher está mais frágil, mais sensível com tudo e precisa muito da ajuda do companheiro”, relata.

Para especialistas, o benefício é um caminho para reduzir a desigualdade salarial entre homens e mulheres, que ainda é de 21,2%, de acordo com o 4º Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).

A CoPai (Coalizão Licença-Paternidade), que apresentou o projeto de lei e participou da votação da Câmara, acredita que a ampliação de cinco para 20 dias representa um avanço após quase 40 anos.

“Tivemos apoio de empresas e diversos espectros políticos. Este progresso quadruplica o tempo de cuidado e coloca a corresponsabilidade parental no centro da agenda pública, beneficiando crianças, famílias e o setor produtivo”, diz Camila Bruzzi, presidente da entidade.