BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) decidiu rejeitar o pedido da Norte Energia para reduzir o volume de água que a barragem da hidrelétrica Belo Monte libera para o trecho de desvio do rio Xingu, no Pará.
A empresa queria repetir a diminuição da vazão que fez em 2024, durante o período de seca, quando passou a liberar apenas 100 m³ (metros cúbicos por segundo) de água para todo o trajeto de 130 km que forma a chamada Volta Grande do Xingu.
Essa manobra é feita para guardar mais água no reservatório da usina e garantir mais produção de energia. As milhares de pessoas que vivem ao longo dos 130 km da Volta Grande, porém, sofrem com todas as consequências disso.
O Ibama rejeitou o pedido e concluiu, em parecer técnico de outubro, obtido pela reportagem, que não existem condições técnicas e ambientais para autorizar a redução neste momento. Para o Ibama, a falta de estudos sobre a redução e o risco de agravamento dos impactos ambientais identificados no ano passado tornam a solicitação inviável. Por isso, o Ibama decidiu recomendar a manutenção da vazão atual de 300 m³ por segundo.
“Conclui-se que não há respaldo técnico para autorizar a redução da vazão mínima ao reservatório intermediário para 100 m³/s em 2025”, afirma o relatório. “A solicitação da empresa para 2025 não acompanha avaliações ou simulações do comportamento dos níveis dos reservatórios.”
Em 2024, a diminuição da água liberada foi permitida apenas de forma excepcional e temporária, entre 21 de setembro e 30 de novembro, como uma medida emergencial diante das baixas vazões naturais do rio. A promessa da empresa era de que esse ajuste facilitaria o funcionamento do sistema de transposição de peixes da usina, uma espécie de “escada” para que os peixes consigam migrar para a parte de cima da barragem.
A autorização estava condicionada a uma série de monitoramentos ambientais e à apresentação de relatórios completos sobre os efeitos dessa redução. Segundo o Ibama, essas exigências não foram totalmente cumpridas pela concessionária Norte Energia, o que comprometeu a avaliação dos efeitos sobre o rio e sobre as comunidades ribeirinhas.
O parecer técnico do órgão também registrou problemas com a queda do nível de oxigênio na água, chegando a valores considerados críticos para a vida aquática. Aproximadamente metade das medições ficaram abaixo do limite mínimo recomendado, mostrando uma situação de estresse ambiental, com risco para peixes e outras espécies.
Questionada sobre a decisão, a Norte Energia declarou à reportagem que propôs a alteração da vazão de seu reservatório intermediário “visando a melhoria das condições de atendimento eletroenergético da usina hidrelétrica Belo Monte para o Sistema Interligado Nacional, tendo sido a mudança recomendada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico e atendidas as condições necessárias”.
O MME (Ministério de Minas e Energia) confirmou a informação e declarou que a redução da vazão de água liberada para o trecho “é considerada uma ação importante para o atendimento do SIN, tendo, inclusive, sido deliberada no âmbito do Comitê”.
A Norte Energia trava um embate direto com o Ibama sobre a definição de qual será, afinal, a vazão de água no rio Xingu, seis anos após a usina entrar em operação plena.
A Volta Grande, conforme já constatado pelo Ibama e denunciado pelo Ministério Público Federal, passou a sofrer com graves problemas socioambientais após o controle de vazão imposto pela hidrelétrica, que prioriza seu reservatório para a geração de energia.
Neste mês, acaba o período de teste de seis anos que deve determinar qual o regime das águas mais indicado para a região território onde vivem, ao menos, 42 comunidades, entre ribeirinhos e indígenas, com pelo menos 3.000 pessoas.
Um estudo que acaba de ser concluído por cientistas sobre a hidrelétrica de Belo Monte, erguida no rio Xingu, no Pará, aponta risco de um colapso ambiental no entorno da usina, devido à escassez de água no trecho de vazão reduzida do rio a Volta Grande do Xingu um cenário que pode se tornar irreversível, se nada for feito.
O relatório, que também tem a colaboração de pesquisadores indígenas e ribeirinhos que vivem no entorno da usina, traz registros de mortandade de peixes feitos neste mês, em pontos localizados no trecho passou a ter menor vazão de água. A Folha teve acesso ao documento e a imagens captadas pelos pesquisadores e moradores locais onde se vê muitos peixes mortos.
Belo Monte é a maior hidrelétrica 100% brasileira e a quinta maior do mundo. Sua capacidade instalada é de 11.233 megawatts, equivalente a 5,3% da potência instalada total da matriz elétrica do Brasil, com seus 209.905 megawatts.
Antes da barragem, a enchente natural do Xingu começava em novembro e o nível máximo permanecia elevado até março ou abril. Hoje, segundo o estudo realizado pelo Monitoramento Ambiental Territorial Independente da Volta Grande do Xingu (Mati-VGX), grupo que foi formado desde 2013, a cheia chega com atraso médio de quase um mês, dura poucos dias e não alcança mais as áreas que deveriam ser inundadas. A situação, dizem, é agravada pelo desvio de até 88% de toda a água do rio para gerar energia, como já registrado em períodos recentes.
Esse desajuste hidrológico provocou o colapso da pesca, com queda abrupta no rendimento de pescadores indígenas e ribeirinhos. Com menos peixe disponível, aumentou o consumo de produtos industrializados vindos da cidade. A insegurança alimentar é hoje uma das maiores consequências sociais da obra.




