TEFÉ, AM (FOLHAPRESS) – O impacto psicológico da seca que assolou a Amazônia em 2023 e 2024 é comparável, segundo os moradores, àquele causado pela pandemia da Covid-19. A maior estiagem da história da região secou rios, isolando comunidades e dificultando o acesso à alimentação e a serviços básicos de saúde e educação.

Na comunidade ribeirinha de Bom Jesus da Ponta da Castanha, na região de Tefé (AM), os moradores passaram a se preocupar com o futuro. Até então, o período de seca era associado a maiores chances de lazer para as 25 pessoas que moram em casas perto do lago homônimo. Nessa época torna-se mais fácil nadar nas praias que se formam, pegar peixes para assar e jogar bola no campo.

Mas após dois anos de estiagem extrema —quando Tefé e todos os outros 61 municípios do Amazonas entraram em estado de emergência—, paira o receio de que a situação volte a se repetir.

“Na seca, o ir e vir tem uma restrição. A passagem do rio fica só lama, e a gente não usa estrada. Aqui, o ir e vir é fluvial, então secou, já era para nós”, resume Silas Rodrigues, 39, líder da comunidade. A apreensão diante dos fenômenos climáticos pode ser chamada de ansiedade climática, ou ecoansiedade.

Silas descreve o ano de 2023 como um desespero, “como se fosse a Covid.” No ano seguinte, na estiagem de 2024, a nova seca desoladora já não os pegou de surpresa. Estavam adaptados ao ambiente extremo, diz.

A reportagem visitou em outubro as comunidades de Bom Jesus da Ponta da Castanha, Porto Praia de Baixo e São João do Bacuri, todas no município de Tefé, conhecido como a capital do Médio Solimões. Havia uma estimativa de que aquele fosse o mês mais seco de 2025, embora menos do que nos anos anteriores. A constância das chuvas e o nível de água do rio, no entanto, surpreendeu os moradores.

“A época que era para estar secando está enchendo e vice-versa. A gente se espanta. A gente é tão natural daqui que sabe o canto dos pássaros. Tem pássaro que canta que vai secar e outros que cantam que vai encher, mas nem eles estão acertando mais. É observar mesmo, sabendo que pode acontecer o pior”, diz Silas.

Honeiman Rodrigues, 45, presidente de São João do Bacuri, relaciona os fenômenos extremos às mudanças climáticas. “Nós que moramos aqui sempre ficamos pensando: ‘será que a gente vai passar por tudo aquilo de novo?'”

Na comunidade, em que moram 280 pessoas, faltou comida pela dificuldade de pesca. Era preciso ir ao centro da cidade para comprar alimentos por uma estrada de barro, já que a seca não permitia o transporte pelo rio. O caminho também era feito em caso de emergências de saúde, porque não há UBS (unidade básica de saúde) no local.

O mesmo aconteceu com a comunidade indígena Porto Praia de Baixo, que reúne cerca de 600 pessoas na região do rio Solimões. Isolados e com dificuldade de pescar e de vender a farinha de mandioca, que garante a subsistência da comunidade, preocupam-se com o amanhã. “Tem muita gente se preocupando que se for o que era, vamos sofrer de novo”, afirma a pescadora Teresa Silva, 56, esposa do cacique Anilton Braz.

A ansiedade climática é ainda mais notada por aqueles que vivem em maior contato com a natureza, afirma Marco Aurélio Bilibio Carvalho, diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia e uma das maiores referências brasileiras na área.

O termo tem relação com a incerteza em relação ao futuro, que pode gerar sentimentos de insegurança, angústia, raiva e até impotência. Essas sensações podem ficar no que o psicólogo chama de “abaixo do limite da consciência”, mas que podem eclodir em algum momento.

O ramo cresceu no Brasil desde 2018 como uma forma de reagir à crise ambiental, e estuda a relação do indivíduo com o mundo natural e com a crise nele, que se converte em uma crise pessoal e psíquica, acrescenta o pesquisador.

Documento da OMS (Organização Mundial de Saúde) sobre o assunto aponta que os países precisam acelerar dramaticamente as respostas às mudanças climáticas, incluindo esforços para lidar com os impactos delas na saúde mental.

Segundo Silas, quando o rio seca, há uma grande dificuldade na saúde. “Não somos muito visitados por médicos, agora imagina na seca. A política pública é lenta para nós”, afirma.

Reforça, no entanto, que a culpa não é da seca. “Será que o poder público está preocupado com uma piora? Deveria. Assim como têm países que se preparam para a guerra, aqui na Amazônia tem que se preparar para a seca. Tem que investir.”

No Brasil, questionado sobre ações e investimentos voltados para ecoansiedade, o Ministério da Saúde afirma que vem fortalecendo a Rede de Atenção Psicossocial, responsável pelo cuidado integral em saúde mental no SUS, “que atendem pessoas em sofrimento psíquico de diferentes naturezas”.

Diz também que está prevista para o próximo ano uma capacitação sobre urgência e emergência climática, com foco nos impactos psicossociais de desastres ambientais. “Também está em andamento uma formação em parceria com a Fiocruz Brasília e o Governo do Rio Grande do Sul, que aborda a atenção psicossocial em desastres socioambientais, contemplando tanto profissionais quanto comunidades afetadas.”