BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Os líderes mundiais e as representações dos países que se reúnem em Belém nesta quinta (6) e sexta-feira (7), para o primeiro evento oficial da COP30, podem compreender os efeitos das mudanças climáticas na amazônia ao olharem para o que se passou em outro ponto do bioma no Brasil, no médio rio Solimões, na parte ocidental da região amazônica.

Dois anos atrás, no lago Tefé, a crise climática provocou uma mortandade sem precedentes de botos vermelhos —os botos cor de rosa, como são popularmente conhecidos— e tucuxis —uma espécie com menor porte— ao longo de setembro e outubro. Durante esses dois meses, mais de 200 animais mortos e carcaças foram retirados das águas superaquecidas.

A seca extrema voltou a se repetir em 2024, ainda mais severa, mas sem a mortandade de botos, animais que são símbolos da amazônia e a materialização de equilíbrio ecológico. O rio Solimões e todos os cursos d’água associados a ele, como o Tefé, são fundamentais para o sustento de comunidades tradicionais e das cidades, dependentes da pesca.

O assustador destino dos botos virou símbolo dos efeitos das mudanças climáticas na amazônia.

Um artigo publicado por 42 cientistas na revista Science nesta quinta (6), liderado por um pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, detalha com precisão o que aconteceu naqueles dois meses de 2023.

Os pesquisadores constataram uma redução de 75% da superfície do lago Tefé, que se viu reduzido de 379 km2 para 95 km2. Isso transformou áreas antes volumosas em poças rasas, com menos de 50 cm de profundidade.

A água superaqueceu até atingir 41º C em determinados dias, com variação diária da temperatura de até 13,3º C, como a registrada de 18 para 19 de outubro de 2023. A média de temperatura em lagos tropicais é de 29º C a 30º C.

O superaquecimento não se restringiu à superfície. Estendeu-se por toda coluna d’água, deixando os botos sem um refúgio de água fria.

“Em condições normais, a água mais profunda geralmente é mais fria, servindo como uma espécie de refúgio para os animais escaparem de temperaturas muito altas”, afirma Ayan Fleischmann, pesquisador na área de geociências no Instituto Mamirauá, primeiro autor do artigo publicado na Science. “Na seca extrema de 2023, esse refúgio simplesmente não existia.”

Ayan integrou a equipe do Instituto Mamirauá —que fica sediado em Tefé, com trabalho comunitário e de pesquisa feito na reserva de desenvolvimento sustentável que leva o mesmo nome— responsável pelas ações adotadas diante da crise de mortandade dos botos.

Miriam Marmontel, que lidera no instituto o grupo de pesquisa de mamíferos aquáticos amazônicos e que atuou na linha de frente da emergência ambiental, também assina o artigo científico.

Os dados compilados pelos pesquisadores, referentes a 24 lagos da amazônia e ao período de 1990 a 2023, mostram que as águas desses lagos aquecem 0,6º C em média por década, chegando a 0,8º C em alguns locais.

Por isso, conforme o artigo, é necessário que se desenvolva um monitoramento ambiental consistente e de longo prazo nos lagos amazônicos, de forma a se tornarem “sentinelas eficazes das mudanças climáticas”. O desenvolvimento de estratégias do tipo beneficia os moradores da região, diante de secas extremas como as registradas em 2023 e 2024, afirmam os cientistas.

A seca de lagos como o Tefé tem impactos severos para as pessoas do local, especialmente na pesca e no transporte, cita o artigo. Houve deslocamento de peixes para os rios maiores, que por sua vez também passaram por processos de encolhimento durante a seca extrema.

Entre os fatores que levaram ao superaquecimento das águas, estão a baixa velocidade do vento, a radiação solar intensa e o fato de água ter estado mais turva do que o normal, o que levou a maior absorção de calor. O volume reduzido de água, com poças rasas, também influenciou na temperatura, determinante para a mortandade de botos cor de rosa e tucuxis.

Em uma das ações de emergência ambiental, que contou com agentes do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), foi necessário deslocar os botos que buscavam comida na enseada de Papucu, um lugar rico em peixes. Uma ação do tipo nunca havia sido feita no lago Tefé.

A COP30, conferência do clima da ONU, tenta, por meio de um encontro diplomático em Belém, acordos para freio e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. A conferência será realizada de 10 a 21 de novembro.