BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (5), um projeto de decreto legislativo para derrubar a resolução aprovada em dezembro pelo Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) que estabelece diretrizes para o aborto legal em crianças e adolescentes.

O projeto recebeu 317 votos favoráveis e 111 contrários. Ele será enviado ao Senado, onde também tem que ser aprovado para que a resolução seja derrubada.

O projeto foi proposto pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e teve a assinatura de apoio de outros 45 deputados de partidos conservadores ou do centrão, como PL, União Brasil, Republicanos e PSD.

As normativas do Conanda estabelecem protocolos para a interrupção da gestação já previstas em lei, como a orientação de que crianças e adolescentes devem ter prioridade nos serviços de aborto legal, “sem a imposição de barreiras sem previsão legal”.

No Brasil, hoje, o aborto é legal em casos de estupro, risco de vida para a gestante e anencefalia fetal.

Segundo deputados, a decisão de pautar o tema foi do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que estava ausente na sessão. Motta viajou nesta quarta para a Argentina, onde vai participar de um evento organizado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Durante a sessão, houve bate-boca no plenário entre deputados conservadores e da esquerda. “Vão procurar o que fazer, deputadas!”, chegou a dizer Éder Mauro (PL-PA).

Antes da votação final, a esquerda foi derrotada em três outras deliberações -para estabelecer tramitação de urgência ao texto (313 a 119), para adiar a discussão (297 a 124) e para encerrar a discussão e passar à votação (310 a 120).

Uma das principais disputas é relacionada ao tempo gestacional. O projeto afirma que “causa ojeriza” o fato de o Conanda não prever a imposição de um limite de tempo gestacional para a realização do aborto.

O órgão diz que a idade gestacional não foi discutida porque não é de competência do Conanda -o Código Penal não estabelece limite de semanas no caso das condicionantes de aborto legal.

Orientaram voto sim as bancadas do PL, Novo, União Brasil, Republicanos, PSD e PP.

A liderança do governo Lula (PT) orientou voto contrário, para manter a resolução -apesar de a gestão petista ter, na ocasião da aprovação da medida do Conanda, se posicionado contra o texto.

“O governo tem clareza de que o Conanda não pode legislar. Não existe boletim de ocorrência nem tempo gestacional na lei. O Conanda não pode determinar algo que não está na lei. O que se faz aqui é tentar proteger, com base em leis existentes -o Código Penal, que data de 1940, e o Estatuto da Criança e do Adolescente-, e priorizar as crianças e adolescentes vítimas de estupro”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), representando a liderança de governo.

O projeto argumenta que o Conanda extrapolou sua função de regulamentação e não tem competência para legislar. Tonietto diz que a resolução dá autonomia a menores de 14 anos para realizar o aborto independentemente da autorização dos pais. “Sendo assim, prevê, na prática, uma submissão quase compulsória ao procedimento de aborto”, afirma.

Em resposta, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) afirmou que a maioria dos estupros de menores ocorre dentro de casa. “É por isso que a resolução fala que não precisa da autorização dos pais, porque saibam que, na maioria dos casos, são eles mesmos os estupradores”, disse.

“O que vocês querem aqui é introduzir no Código Penal algo que não existe, para criminalizar essas meninas. Isso é inconstitucional, isso é uma vergonha. […] Menina não é mãe e estuprador não é pai. Respeitem a lei brasileira”, afirmou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS) afirmou que a proposta “é cruel contra as crianças”.

Na tribuna, Tonietto afirmou que a resolução é um acinte e que seu projeto busca garantir a defesa da vida e da família. “[A resolução] amplia o aborto para que crianças tenham sua vida ceifada. […] A gente não combate violência sexual com outra violência que é o aborto”, disse.

O deputado Gilson Marques (Novo-SC) afirmou que a resolução pode incentivar a realização do aborto.

Em casos de conflito entre a vontade da menor de idade e a dos responsáveis, o Conanda aponta que é direito do adolescente ou da criança ser assistido por um defensor público em todos os atos processuais necessários, com acompanhamento contínuo.

Em dezembro, a gestão Lula se posicionou contra a aprovação da resolução, em ação coordenada pela Casa Civil, que determinou que os conselheiros ligados à administração votassem contra o texto. A posição gerou desconforto no governo e evidenciou um racha entre os movimentos sociais feministas e o Executivo.

Na ocasião da aprovação da resolução, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania divulgou uma nota em que explica a posição do governo federal contra o texto. Segundo o ministério, a consultoria jurídica da pasta apontou que o texto traz definições que só poderiam ser estabelecidas por leis.