SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma em cada três organizações suspendeu ou encerrou programas voltados para o fim da violência contra mulheres em 2025 devido a cortes de financiamento, aponta relatório da ONU Mulheres divulgado na semana passada.

O documento é baseado em uma pesquisa global com 428 organizações de direitos das mulheres e da sociedade civil, feita entre junho e julho deste ano. O questionário incluiu 39 perguntas sobre características organizacionais, fontes e padrões de financiamento, natureza e escala dos cortes, impactos nas operações e serviços e estratégias de mitigação.

A crise de financiamento, aponta o relatório, é resultado das mudanças de prioridade dos doadores. São principalmente os países que destinam recursos financeiros para apoiar o desenvolvimento em outras nações, como Estados Unidos, Reino Unido e a União Europeia, mas também agências de financiamento e doadores privados.

As prioridades dos países têm sido outras áreas consideradas urgentes, como segurança nacional e global, segurança econômica, gastos com defesa ou ajuda humanitária.

A estimativa é de que os cortes na AOD totalizaram US$ 78 bilhões (R$ 421 bilhões) até junho de 2025, de acordo com a Alliance for Feminist Movements (aliança para movimentos feministas), iniciativa colaborativa entre governos, filantropia privada, fundos feministas e organizações da sociedade civil dedicada a aumentar e melhorar os recursos dedicados ao apoio a diversos movimentos feministas.

O financiamento para esses movimentos sempre foram considerados baixos, considera a ONU Mulheres, com a AOD voltada especificamente para organizações de direitos das mulheres representando menos de 1% de toda a ajuda dedicada à igualdade de gênero.

Dentre as 34% das organizações que suspenderam ou encerraram programas voltados para o fim da violência, elas relatam que as atividades mais impactadas foram aquelas relacionadas a programas de empoderamento, atividades de treinamento de capacidades, advocacy para ações de eliminação da violência, serviços psicossociais e de apoio para sobreviventes.

Além disso, 40,5% das organizações da sociedade civil e de direitos das mulheres relataram redução de serviços prestados diretamente a mulheres e meninas. As entidades relatam que já se encontram em uma situação onde precisam fechar abrigos, espaços seguros e serviços de casas de acolhimento. Alguns já estão completamente fechados, enquanto outros tiveram sua capacidade reduzida.

As organizações também estão tendo que demitir ou reduzir as horas de trabalho de profissionais especializados, como psicólogos e especialistas jurídicos. Isso levantou preocupações sobre a capacidade de oferecer às sobreviventes de violência serviços que permitam que elas saiam e permaneçam fora de situações violentas.

Um percentual de 89% dos entrevistados relatou que os cortes de financiamento levaram a uma redução alta ou severa no acesso de mulheres e meninas a serviços de apoio para sobreviventes. Os mais afetados são os países considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

No Egito, os cortes de financiamentos impactaram abrigos e centros jurídicos administrados por organizações. Esses centros eram a única opção para mulheres refugiadas sudanesas, conforme o documento.

Também houve impacto nos Camarões. Uma organização que funciona no país foi forçada a fechar cinco espaços que apoiavam sobreviventes de violência devido a cortes de financiamento. Os espaços atendiam mais de 50 sobreviventes diariamente, com serviços de apoio, atividades recreativas e treinamento vocacional. Os entrevistados observaram que os fechamentos expuseram meninas a casamentos forçados precoces e outras práticas nocivas.

Para a adaptação, 45% dos entrevistados relataram que estão abordando novos doadores e 42% estão reengajando com doadores já existentes. Algumas estão planejando diversificar o financiamento (24%), formar coalizões (15%) ou desenvolver planos de risco (21%), enquanto outras visam mudar para modelos de autossuficiência (13%) ou cobrar taxas de serviço de participantes (4%).

Os entrevistados apontam ainda que os cortes de financiamento não são um subproduto de restrição econômica, mas por vezes uma estratégia política para reverter a igualdade de gênero.

Amanda Sadalla, mestre em Políticas Públicas pela Universidade Oxford e fundadora da Serenas, dedicada a prevenir as violências baseadas no gênero no Brasil, afirma que, diante de crises financeiras, os recursos voltados para direitos das mulheres não são priorizados.

“A causa da violência não chama atenção das pessoas porque elas não querem se envolver com algo que mostra o pior lado da sociedade e tendem a querer investir em causas educativas e que trazem resultados positivos a curto prazo”, afirma. Outro ponto é o avanço de setores conservadores, diz ela.

Desde que assumiu o governo americano, a gestão de Donald Trump decidiu acabar com ações afirmativas em contratos federais e determinou que todos os funcionários de diversidade, equidade e inclusão fossem colocados em licença remunerada e, eventualmente, demitidos.

Em junho, a ONU (Organização das Nações Unidas) anunciou que reduziria drasticamente seus programas de ajuda neste ano, após “os piores cortes financeiros” já sofridos. A decisão de Trump de encerrar ou reduzir a assistência financeira americana afetou todo o setor global de assistência humanitária. Por muitos anos, os EUA foram os maiores doadores desses programas.