SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A polícia interditou, nesta quarta-feira (5), 49 postos de combustíveis nos estados do Piauí, Maranhão e Tocantins. A ação faz parte da Operação Carbono Oculto 86, que investiga a infiltração do PCC (Primeiro Comando da Capital) no mercado de combustíveis do Piauí.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Piauí (SSP-PI), o grupo utilizava uma complexa estrutura de empresas de fachada, fundos de investimento e fintechs para lavar dinheiro e fraudar o setor.

O esquema teria movimentado cerca de R$ 5 bilhões. Só no Piauí, as movimentações a crédito de empresas somam R$ 300 milhões. Durante a execução dos mandados judiciais, as autoridades apreenderam um avião monomotor, um automóvel da marca Porsche, além de itens de luxo, como sapatos e relógios.

A investigação, afirma a secretaria em nota, revelou interconexão direta entre empresários locais e os mesmos fundos e operadores financeiros investigados pela Operação Carbono Oculto, que integrou Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público de São Paulo e PM paulista para desarticular um esquema nacional de lavagem de dinheiro de organizações criminosas avaliado em R$ 52 bilhões.

Entre os investigados estão antigos proprietários de redes de postos de combustíveis e intermediários utilizados como “laranjas” em holdings. São mais de 70 CNPJs relacionados direta ou indiretamente ao esquema. A Justiça determinou o bloqueio de R$ 348 milhões em bens. Não há mandados de prisão.

No Piauí, foram alvos postos e empresas em Teresina, Lagoa do Piauí, Demerval Lobão, Miguel Leão, Altos, Picos, Canto do Buriti, Dom Inocêncio, Uruçuí, Parnaíba e São João da Fronteira. No Maranhão, as ações se concentraram em Peritoró, Caxias, Alto Alegre e São Raimundo das Mangabeiras. Já no Tocantins, houve interdição de posto de combustível em São Miguel do Tocantins.

A investigação começou após a venda da Rede de Postos HD, com dezenas de unidades nos três estados, em dezembro de 2023. A Polícia Civil do Piauí identificou que a rede foi vendida à Pima Energia e Participações, que havia sido criada seis dias antes da compra dos postos.

Segundo a secretaria de segurança do Piauí, foram detectadas inconsistências patrimoniais e alterações societárias simultâneas e suspeitas, incluindo a criação de empresas com endereço na avenida Paulista (região central de São Paulo), mas sem lastro econômico compatível.

A investigação encontrou ainda um depósito de mais de R$ 700 mil feito por um dos suspeitos para uma empresa controlada por um “laranja”, Rogério Garcia Peres, já identificado na Operação Carbono Oculto, confirmando a ligação direta com o esquema do PCC, afirma a secretaria.

Peres é sócio de dois fundos administrados pela Altinvest Gestão, que também foi citada na primeira fase da operação. Segundo o relatório das autoridades piauienses, um desses CNPJs era dono da Pima Energia e Participações e o outro recebeu valores provenientes da rede de postos de combustível investigada.

Em nota, a Altinvest diz que encerrou um desses fundos em 5 de maio, antes da deflagração da Carbono Oculto.

“A gestora atua em estrita conformidade com a legislação brasileira e com as normas da Comissão de Valores Mobiliários e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, incluindo o envio periódico e obrigatório de todas as informações de seus fundos e cotistas aos órgãos reguladores”, afirma a Altinvest.

Segundo o relatório da investigação, laranjas do PCC praticariam blindagem patrimonial usando ao menos dois fundos exclusivos geridos pela Altinvest Gestão, que já fora citada na primeira fase da Operação Carbono Oculto.

Segundo a polícia, o PCC consolidou no Piauí uma célula financeira autônoma, replicando o modelo nacional de infiltração em setores formais da economia sob o disfarce de atividades empresariais legítimas.

QUAL ERA O ‘MODUS OPERANDI’

Segundo inquérito da Polícia Civil do Piauí, o grupo segue um padrão para atuar fora de São Paulo.

1º passo: Compra postos locais por empresas de fachadas recém-criadas em São Paulo

2º passo: Substitui a bandeira comercial do posto, sem alteração operacional real

3º passo: Cria fundos e holdings para mascarar os beneficiários finais e promover blindagem patrimonial

4º passo: Fazem movimentações financeiras atípicas por meio de fintechs e contas interligadas

5º passo: Adulteram combustíveis e emitem notas fiscais sobrepostas, garantindo lucro duplo: fraude comercial e lavagem de dinheiro

CONSTRUÇÃO DE UMA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEL

A investigação da Polícia Civil do Piauí aponta que o PCC estava construindo uma distribuidora de combustível na rodovia que liga a capital do Piauí, Teresina, ao município de Altos para abastecer outros estados.

De acordo com a secretaria de segurança, o imóvel onde a distribuidora estava sendo construída foi interditado.

A ação dessa quarta aprofunda o rastreamento de fluxos financeiros para desarticular núcleos regionais de apoio às atividades ilícitas do PCC.

Em agosto, uma força-tarefa com 1.400 agentes cumpriu mandados de busca, apreensão e prisão em empresas do setor de combustíveis e do mercado financeiro na Faria Lima, em São Paulo.

O objetivo da Carbono Oculto é desarticular a infiltração do crime organizado em negócios regulares da economia formal.

Em outro desdobramento da Carbono Oculto, a Operação Spare identificou ao menos 267 postos ainda ativos, que movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024, mas recolheram apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais -o equivalente a 0,1% do total movimentado. Empreendimentos imobiliários, motéis e lojas de franquia também estão sob investigação por suspeita de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que será criada uma delegacia no âmbito da Receita Federal para combate ao crime organizado.

Além da delegacia, a Receita também publicou uma portaria com medidas para o combate a crimes em importações, com regras mais restritivas para a compra de combustíveis.

Entre as novas regras estão o tratamento prioritário para crimes tributários e de aduana, com maior articulação entre a Receita e os órgãos de segurança pública.