RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A cruzada do Governo do Rio de Janeiro para que o Comando Vermelho seja classificado pelos Estados Unidos como organização terrorista e possa sofrer sanções econômicas não traz riscos à soberania do Brasil nem abre brechas para ataques como os que a gestão Donald Trump tem realizado a barcos venezuelanos, afirma o secretário estadual de Segurança Pública, Victor Santos.

Delegado da Polícia Federal aposentado, após exercer a função por quase 32 anos, o secretário ressalta sua experiência no intercâmbio com autoridades do setor antidrogas nos EUA e refuta os temores de intervenções americanas em solo brasileiro.

“A gente tem que parar com essa ilação de que o americano vai vir aqui atacar. Não tem a menor condição disso”, disse Santos à reportagem.

A secretaria comandada por ele foi a responsável da gestão Cláudio Castro (PL) por elaborar um relatório entregue a autoridades dos EUA com o objetivo de tornar o Comando Vermelho passível de sanções por parte do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac, na sigla em inglês), órgão do Tesouro americano.

No documento, o governo fluminense argumenta que a designação do CV como organização terrorista “com base nas ordens e regulamentações dos EUA: conectaria a atuação brasileira às políticas de contraterrorismo global; facilitaria pedidos de extradição de chefes do CV refugiados em países como Paraguai e Polícia, abriria caminho para parcerias com Interpol, DEA, FBI e ONU no combate às redes de tráfico e armamento pesado; e ampliaria o alcance de sanções para empresas de fachada e aliados econômicos do CV no exterior”.

A mudança de status, conclui o relatório, “representaria um divisor de águas na segurança hemisférica. O Brasil se beneficiaria política, econômica e estrategicamente, e veria enfraquecido um dos principais grupos que desafiam a soberania do Estado em seu próprio território”.

Em maio, autoridades do governo americano em visita ao Brasil se reuniram com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou que um dos temas do encontro foi a inclusão do Comando Vermelho na lista de sanções do Ofac.

Indagado se o documento entregue aos americanos por Flávio é o mesmo do governo do Rio , Santos tergiversou. “Eu não sei se foi o mesmo. Produzimos um relatório mostrando a relação entre Comando Vermelho, PCC, Hezbollah, Al-Qaeda. Toda organização criminosa, terrorista ou não, tem uma rede de financiamento, o dinheiro acaba seguindo o mesmo caminho.”

Flávio já sugeriu ao governo dos EUA que o país ataque embarcações com drogas no Rio de Janeiro.

Quando foi nomeado superintendente da Polícia Federal no Distrito Federal, em 2021, durante o governo Bolsonaro, Santos foi apontado como apadrinhado para o cargo por Flávio Bolsonaro. Ele nega essa relação.

“Eu estive com o Flávio umas duas ou três vezes só. O golpe em Brasília [os ataques de 8 de Janeiro], né? Eu tô solto. Por que todo mundo foi preso? O diretor da Polícia Rodoviária Federal, o comandante-geral [da PM], o secretário de Segurança, ex-ministro. Só eu que fui preservado”, afirmou. Santos ainda era o superintendente da PF no DF -seria substituído logo em seguida.

“A minha atuação é técnica. Trabalhei [também] nos governos Dilma, Fernando Henrique, Lula… Eu sou técnico, sou concursado. Quando fui pra Brasília assumir a superintendência, começou essa especulação toda. Nós éramos a 24ª unidade em produtividade. Quando eu saí, éramos a terceira. Pararam de falar que era do Flávio quando a produtividade começou a dar certo.”

Santos negou que a família Bolsonaro exerça influência sobre o comando da segurança pública do estado do Rio: “Comigo nunca houve”.

Integrantes do governo Lula e críticos na sociedade civil da classificação de facções criminosas como terroristas argumentam que a medida abre brecha para intervenções de outros países em território brasileiro e borram as fronteiras entre segurança pública e segurança nacional, facilitando a retórica do combate a inimigos internos.

Santos disse não haver “nenhuma relação” entre a operação policial nos complexos da Penha e do Alemão que deixou ao menos 121 mortos e os ataques (retóricos e literais) dos EUA a países sul-americanos sob justificativa de combater o narcoterrorismo. “Essa operação foi pautada numa investigação de um ano da DRE [Delegacia de Repressão a Entorpecentes]. Não existe nenhuma ação de combate a qualquer tipo de organização criminosa com o governo americano.”

O delegado conta que seu trabalhou por muitos anos na área de repressão a entorpecentes e o intercâmbio com colegas americanos motivaram a carta enviada pela DEA, agência federal de combate às drogas dos EUA, ao governo fluminense. “Um agente do DEA me mandou uma mensagem, um ofício, dando os pêsames, os sentimentos, em relação aos policiais mortos. A colaboração é sempre nesse sentido.”

“Existe cooperação internacional. Quando eles [americanos] vêm acompanhar operações, não portam armas, são apenas observadores. Porque a organização criminosa tem relação com a remessa de drogas para os EUA. A mesma coisa quando vamos para lá para acompanhar uma entrega controlada, como já fiz, de drogas saindo do porto do Rio com destino aos EUA. Não existem operações americanas em território brasileiro. Isso está fora de cogitação.”