SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio à mais longa paralisação do governo americano da história, o presidente Donald Trump intensificou a pressão sobre os senadores republicanos para abolir a filibuster (obstrução, em português), a regra que exige apoio de 60 votos para que projetos avancem no Senado. O objetivo é forçar a aprovação de um projeto de gastos que reabra a máquina pública e permita ao governo retomar programas paralisados. O efeito político, no entanto, seria uma ruptura nas tradições da Casa.
Nas últimas semanas, Trump multiplicou ataques à barreira parlamentar. Após a vitória do democrata Zohran Mamdani para a Prefeitura de Nova York, nesta terça, o presidente pediu mais uma vez pelo fim das filibusters. “Voltem a aprovar leis e reformas eleitorais”, publicou na Truth Social.
O presidente, que enfrenta resistência para receber aval de indicações de procuradores federais e ver aprovadas suas medidas durante o impasse orçamentário, culpa o Senado por travar o país.
A regra, porém, é mais do que um obstáculo numérico. A filibuster é uma tática que permite a um único senador bloquear, por tempo indeterminado, a votação de uma proposta ao se recusar a encerrar um discurso. Uma vez que apenas uma votação com 60 dos 100 senadores pode interromper a fala de um colega, sua existência significa que, na prática, a maioria precisa de ao menos 60 votos para aprovar textos, com algumas exceções.
Com 53 assentos republicanos, o partido de Trump depende de dissidências democratas para alcançar o número necessário. Nas últimas semanas, apenas três senadores ligados à oposição têm se juntado a eles. Sem os demais, o impasse persiste e mantém paralisados votações e programas do governo.
Nesta quarta, Trump repetiu que eliminar a filibuster é a “única maneira” de os republicanos aprovarem alguma coisa. Seus senadores correligionários, no entanto, se opõem à medida por medo de que os democratas consigam aprovar tudo o que desejarem se retornarem ao poder.
Trump, na última semana, apelou publicamente aos colegas de partido. “É hora de os republicanos jogarem sua ‘CARTA TRUMP’ [trocadilho com carta trunfo] e acabarem com a filibuster, agora”, escreveu no Truth Social.
O líder da maioria, John Thune, senador pela Dakota do Sul, reiterou que não pretende recorrer ao que se chama de “opção nuclear” -mecanismo que permitiria alterar regras do Senado com maioria simples. “A posição do líder Thune sobre a importância da filibuster legislativo permanece inalterada”, afirmou seu porta-voz. O senador tem repetido que eliminar a regra seria “um erro que inevitavelmente beneficiaria os democratas” quando o poder mudar de mãos.
A preocupação é amplamente compartilhada. Republicanos veteranos alertam que, sem a filibuster, uma futura maioria democrata poderia aprovar projetos ambiciosos, como a concessão de status de Estado a Washington e Porto Rico, o que provavelmente traria quatro novos assentos democratas ao Senado.
O temor de efeito reverso tem impedido que a pressão presidencial prospere. Mesmo senadores de linha dura, como Lindsey Graham, da Carolina do Sul, reconhecem a frustração de Trump, mas descartam mudanças imediatas. “Ele tem razão em estar frustrado, mas não vamos alterar a regra”, disse.
Além de servir como barreira institucional, a medida também preserva a influência individual dos senadores, que podem condicionar seu apoio a concessões políticas. Para muitos republicanos, trata-se de uma forma de manter o equilíbrio de poder e conter eventuais excessos do próprio presidente.
O impasse expôs uma divisão incomum dentro do Partido Republicano. Embora congressistas tenham se mostrado leais a Trump em temas como gastos e política externa, no Senado a disposição é outra. A preservação das regras é vista como uma defesa da própria identidade da instituição, que se orgulha de operar por consenso e lentidão deliberada.
Desde 2021, quando democratas tentaram suspender a filibuster, a regra voltou ao debate em Washington. À época, dois senadores do próprio partido -Joe Manchin e Kyrsten Sinema- votaram contra a mudança, frustrando o plano da Casa Branca sob Joe Biden. Agora, a situação se inverte: são os republicanos que usam o mesmo argumento para conter o presidente.
Trump já havia tentado enfraquecer a filibuster em seu primeiro mandato, mas o então líder Mitch McConnell, conhecido por usá-la contra democratas, recusou. Thune, seu sucessor, repete o gesto, consciente de que ceder à pressão presidencial poderia dissolver uma tradição que, por mais incômoda, garante à minoria um poder de veto simbólico e real.




