BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Há seis meses, Friedrich Merz foi escolhido como primeiro-ministro da Alemanha. Em uma inédita e constrangedora segunda votação. Se o susto inicial deveria ser entendido como um prenúncio de obstáculos, eles vieram.
Merz enfrentou o alçapão da Casa Branca, engrossou a voz europeia contra Vladimir Putin e a invasão russa da Ucrânia e prometeu que a economia alemã decolaria sem o famigerado freio da dívida, a versão local do teto de gastos. Foi pragmático o suficiente até para advogar junto à União Europeia a suspensão do banimento de motores a combustão em 2035, quase uma heresia em um país antes líder em questões climáticas.
Tudo isso bate com o perfil determinado do político conservador alemão, que estará em Belém na cúpula de líderes da COP30 e completa 70 anos na próxima terça-feira (11). Os fantasmas de Merz, no entanto, estão na política doméstica, em um gabinete de governo que ainda não se firmou e em uma leitura aparentemente equivocada das pesquisas eleitorais.
Em 6 de maio, em uma votação que deveria ser protocolar, o vencedor das eleições parlamentares de fevereiro sofreu um revés histórico antes de ser confirmado no cargo. A coalizão entre a CDU de Merz e o SPD do antecessor Olaf Scholz, conveniente demais até para os padrões alemães, lhe entregou apenas 310 votos, seis a menos do que o necessário.
Uma segunda votação, fato inédito na política alemã do pós-guerra, fez a Europa respirar aliviada, como notou à época Jens Spahn, líder da CDU no Parlamento. A maior economia do continente não seria mais uma confusão em um planeta já muito conturbado.
A Alemanha, no entanto, tem sua própria coleção de problemas. Em setembro, em pesquisa espontânea, 60% da população apontava a economia como principal desafio do país, uma tendência crescente neste ano; imigração era uma questão para 27% dos envolvidos, superada porém por seguridade social e pela rubrica “governo, política e partidos”.
Ainda assim, Merz preferiu seguir o corolário europeu de governos centristas e de centro-direita, que procuram assumir o discurso anti-imigratório em contraposição às bandeiras da ultradireita, cada vez mais populares no continente.
Em outubro, ao comentar que seu governo havia derrubado em 60% o número de pedidos de asilo em relação ao ano anterior, Merz declarou que ainda havia “um problema na paisagem urbana” alemã e que seu gabinete trabalhava com a perspectiva de deportações em massa.
Como quase tudo em Berlim, a expressão “paisagem urbana”, “Statdbild” na versão original, rendeu enorme polêmica. Nina Perkowski, socióloga da Universidade de Hamburgo ouvida pelo programa Tagesschau, da TV pública, afirmou que a descrição funciona como um eufemismo para “a presença visível de pessoas que são percebidas como não alemãs ou não brancas, independentemente de sua cidadania”.
Ao mesmo tempo, revela um sentimento de desconforto que justificaria atitudes radicais ou, ao cabo, racistas, na opinião da pesquisadora. Protestos irromperam até em partidas da Bundesliga, o Campeonato Alemão.
Diversos políticos de oposição e de origem imigrante pediram uma retratação do primeiro-ministro. Merz, pelo contrário, reviveu seu tempo de líder de oposição, de frases contundentes e normalmente mal colocadas. “Pergunte para sua filha”, respondeu aos críticos. Estatísticas policiais não corroboram a versão do premiê, dizem especialistas.
Na semana passada a confusão contaminou o próprio partido de Merz. Depois de afirmar em discurso que não havia mais motivo para aceitar asilo de sírios, dado o fim dos conflitos no país, o primeiro-ministro viu seu próprio chanceler dizer o contrário.
Após visita a Damasco, Johann Wadephul declarou que seria “quase impossível alguém viver com dignidade” na região devastada que visitou. Spahn, o líder da CDU, foi o primeiro a criticar o colega, sendo seguido pelo próprio Merz. O ministro de Relações Exteriores, nesta semana, recuou e declarou que o gabinete trabalha para incentivar a volta dos refugiados.
Menos de um milhão de sírios vivem na Alemanha atualmente, produto da política de portas abertas de Angela Merkel, passo histórico que completou dez anos em setembro.
Toda a movimentação de Merz se justificaria se revertesse em votos. Segundo o Instituto Forsa, que mede as preferências eleitorais semanalmente no país, a AfD, partido considerado de extrema direita pelos serviços de segurança do país, já supera a CDU do premiê por 26% a 24%. Na eleição de fevereiro, o mesmo placar foi de 20,8% a 28,5%.
Ainda assim, 71% dos eleitores concordam com a classificação oficial do partido, de que é uma legenda de extrema direita e um risco para a democracia alemã. Ao mesmo tempo, apenas 26% dos alemães se dizem satisfeitos com o trabalho do primeiro-ministro até aqui.
Apelar para a questão imigratória, receita clássica da ultradireita, não parece funcionar para Merz, pelo menos nestes primeiros seis meses.




