BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Após uma reunião que começou na manhã de terça-feira (4) e se estendeu até a madrugada desta quarta (5), a União Europeia aprovou o corte de 90% das emissões de gases de efeito estufa até 2040 em relação aos níveis de 1990. A meta é ambiciosa, mas só saiu após concessões a diversos países do bloco.

Segundo Lars Aagaard, ministro do Meio Ambiente da Dinamarca que liderou o encontro, até cinco pontos percentuais do corte poderão ser obtidos por meio de créditos de carbono gerados fora do bloco. Ou seja, a meta para as indústrias europeias, na prática, é de 85%.

“Definir uma meta climática não é apenas escolher um número, é uma decisão política com consequências de longo alcance para o continente”, declarou Aagaard, em clara tentativa de justificar a manobra.

Também ficou acertado o adiamento do ETS2, sistema que regula o mercado de carbono para os setores de transporte e construção do continente, que agora só será efetivado em 2028. Para 2035, a redução de emissões ficaria entre 66% e 72% do verificado em 1990.

“Os países-membros afirmam ter chegado a acordo sobre uma meta de 90%, mas isso é apenas um truque de mágica”, disse Michael Sicaud-Clyet, do braço europeu da ONG de preservação ambiental WWF. “Depois de eliminar as compensações, o valor real será inferior a 85%. A UE deveria dar exemplo, não criar lacunas.”

Mathie Mal, do Escritório Europeu de Meio Ambiente, que reúne quase 200 entidades do setor no continente, afirmou que a flexibilização “pode atrasar investimento vital na transição energética interna” do continente “como também compromete a credibilidade da UE nas negociações durante a COP30 [a conferência da ONU para mudanças climáticas]” em Belém.

“Acordei em Belém com essa notícia e senti um grande alívio”, declarou Laurence Tubiana, CEO da Fundação Europeia do Clima. “Todos estavam olhando para a Europa. A questão não era a liderança da UE, mas a sinalização de que o Acordo de Paris está funcionado, de que diminuímos o ritmo de crescimento das emissões, ainda que longe do objetivo que devemos atingir em 2030”, declarou a diplomata francesa, arquiteta do tratado que completa dez anos em dezembro.

Em julho, a Comissão Europeia havia proposto a marca de 90% para 2040, que determinaria os rumos da NDC (contribuição nacionalmente determinada, na sigla em inglês) de 2035 por projeção. A apresentação da meta de dez anos deveria ser feita até a Assembleia-Geral da ONU, em setembro, mas foi substituída por uma carta de intenções.

Foi a saída então encontrada pela Dinamarca, que ocupa a presidência temporária da UE, para aplacar o constrangimento do bloco, bastião da legislação ambiental e até então um dos líderes da discussão do problema, de não ter uma meta para apresentar.

Bruxelas caminhava para um novo potencial constrangimento nesta quarta em Belém, devido à reunião programada de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (o braço Executivo do bloco), com seu anfitrião na COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Fazer concessões aos 27 países-membros foi a saída encontrada após mais de doze horas de discussões.

Aagaard, o ministro dinamarquês, afirmou que outros cinco pontos percentuais da meta poderão ser compensados com créditos de carbono do exterior no futuro, sem precisar o gatilho para o mecanismo. Países como França e Polônia consideravam a proposta inicial de flexibilização, de três pontos percentuais, muito tímida.

Relatos da reunião publicados pela imprensa europeia mostram inclusive que Polônia, Itália e República Tcheca, entre outros, queriam derrubar a redução de 90% das emissões, alegando que seria muito pesada para suas indústrias, já acossadas pelo tarifaço de Donald Trump e pela competição com produtos chineses.

A coisa só não desandou de vez devido à oposição de países como Espanha, Suécia e Holanda, que lembraram de extremos climáticos recentes. Não deixar a China abrir demais a liderança no setor de tecnologia verde também serviu de argumento.

Após horas de discussão, apenas Polônia, Hungria e Eslováquia votaram contra a proposta. A Itália teria cedido após ver incluída no plano a possibilidade de uso de biocombustíveis em transportes, até aqui contestado como meio de descarbonização.

Outro ponto de flexibilização aprovado foi a revisão do plano a cada dois anos, um pleito da França, preocupada com expectativas frustradas de mitigação em setores como agricultura e silvicultura. Ambientalistas veem a mudança com preocupação. “Metas têm como objetivo definir uma direção de longo prazo, não ser constantemente revisadas”, disse Sicaud-Clyet, do WWF.

Na manhã de terça, ao chegar ao encontro de ministros de Meio Ambiente em Bruxelas, Carsten Schneider, representante do governo alemão, antecipou que a meta acabaria vindo com ponderações: “A pior decisão seria não tomar decisões”.

O Parlamento Europeu deve ratificar a posição acertada pelos ministros na próxima semana, com uma maioria formada pelas forças de centro, alinhadas a Von der Leyen, e os Verdes.

A chefe do bloco celebrou o acordo com postagem no X. “Acabei de chegar na COP30 no Brasil com boas notícias. A UE acaba de adotar sua NDC para 2035. Um marco em nosso caminho para alcançar a neutralidade climática até 2050”, escreveu a conservadora alemã.

O bloco econômico europeu é o quarto maior poluidor do mundo e responde por 6% do carbono jogado na atmosfera anualmente.