SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos mais importantes pintores do modernismo brasileiro, Alfredo Volpi voltou a rondar as conversas no mundo da arte quando, há duas semanas, a polícia fez uma operação na galeria Almeida & Dale, em São Paulo, em busca de telas que deveriam entrar no inventário do artista.

Se fossem encontradas, as obras seriam incluídas em um leilão que deve acontecer em breve para pôr fim a um imbróglio de décadas entre seus herdeiros, para quem será revertido o valor das vendas do pregão.

Quando morreu, em 1988, o pintor das bandeirinhas tinha cerca de 47 obras em seu ateliê. Na época, Eugênia Maria Volpi, primogênita do artista, se tornou inventariante do espólio. Ela ficou responsável por administrar os bens do pai até que o patrimônio fosse dividido entre todos os herdeiros.

Além de Eugênia Maria, Volpi teve mais três filhos: Djanira, Alberto e Pedro. Alberto morreu, mas deixou filhos que também são herdeiros do modernista. Pedro foi declarado desaparecido por anos. “Depois de muito vasculharmos, conseguimos localizar que ele tinha morrido”, diz Guilherme Sant’Anna, inventariante do espólio desde 2008.

Por determinação da Justiça, Eugênia Maria foi afastada do inventário e Sant’Anna assumiu o cargo após os advogados de Djanira e Alberto denunciarem o desaparecimento das 47 obras que estavam no ateliê de Volpi à época de sua morte. “A gente acredita que a Eugênia se apropriou indevidamente [dos quadros] e os vendeu”, diz Demetrios Kovelis, advogado de Djanira Volpi, filha adotiva do artista.

Contatada pela reportagem, a advogada de Eugênia Maria, Denise Zillo, disse que ela e sua cliente não vão se manifestar sobre o caso. Kovelis diz que Djanira e o filho passam por dificuldades financeiras desde a morte de Volpi. Segundo ele, a relação entre as irmãs era boa até a morte do pai e o sumiço dos quadros.

As 47 obras extraviadas são de diversas fases do artista, incluindo sua verve concretista dos anos 1950, os santos e madonas da década de 1960, as bandeirinhas da década de 1970 e as fachadas dos 1980. Há também naturezas-mortas dos anos 1930, formando um conjunto muito representativo de sua pintura.

Deste bolo, 12 ou 13 foram recuperadas entre 2012 e 2013 com ajuda da polícia, segundo o inventariante. Entre as encontradas estão “Nu de Judite”, estimada em R$ 5 milhões à época, e “Retrato de Hilde Weber”, avaliada em R$ 4 milhões. Ambas dos anos 1940, são consideradas obras-primas da sua fase figurativa.

Também foram achadas “Dom Bosco”, de 1960, e outra obra sem título da década seguinte, além de 3.000 gravuras, boa parte das quais já foi leiloada. Parte das obras recuperadas estavam no ateliê de Volpi, uma casa no bairro do Cambuci, na região central de São Paulo, onde morava sua neta.

Restam cerca de 35 pinturas a serem encontradas. O inventariante diz que a polícia está atrás. Destas, três eram alvo da recente busca e apreensão na Almeida & Dale —”Fachada”, de meados da década de 1970, “Bandeirinhas Estruturadas com Mastro”, do fim daquela década, e “Cinéticos/Mosaicos”.

Estes quadros foram vendidos pela galeria há quase 20 anos, que os tinha adquirido de uma outra galeria paulistana hoje extinta, a Jauaperi, segundo relato de Antonio Almeida, um dos sócios da Almeida & Dale. Ele acrescenta que, depois de entregues aos colecionadores, essas obras nunca mais estiveram com a sua galeria.

No processo judicial que detonou a busca e apreensão, numa avaliação de 2019, consta que as três telas valem cerca de R$ 6,4 milhões. Mas Almeida questiona o número com base em dados de mercado. Ele argumenta que obras semelhantes de Volpi, da mesma época ou do mesmo tema, costumam ser leiloadas por muito menos.

Por exemplo, em 2022, um quadro de bandeirinhas sem data teve o último lance em R$ 310 mil, e, no ano passado, o último lance foi de R$ 280 mil para uma outra pintura de bandeirinhas, esta dos anos 1970. O último lance não é necessariamente o valor de venda, mas indica em quanto a obra está avaliada. Os valores são de pregões realizados pela Bolsa de Arte, casa respeitada no mercado.

“Por que estão focados em cima das três que a Almeida & Dale vendeu? Cadê as outras? O foco são essas três obras, parece uma coisa direcionada”, diz Almeida. Ele afirma querer que as imagens de todos os quadros desaparecidos sejam publicadas e circulem para que, se eventualmente vierem ao mercado, possam ser devolvidas ao espólio.

O site do Instituto Volpi tem uma página com a lista de obras extraviadas, mas sem as imagens.

O responsável pelo espólio rebate que não há um foco nos quadros da Almeida & Dale. Sant’Anna diz que a galeria precisava, por determinação da Justiça, ter devolvido as telas ao espólio ou então depositado o valor da avaliação que consta no processo —mas não fez nem uma coisa nem outra. De acordo com ele, há a possibilidade de a Justiça determinar que a galeria diga quem comprou as obras para que elas possam ser recuperadas.

Galerias não costumam divulgar o nome de seus clientes, primeiro porque se trata de uma negociação privada e, segundo, porque quem tem centenas de milhares ou até milhões de reais para gastar em arte geralmente não quer aparecer.

O fator complicador desta história é que Carlos Dale, outro dos sócios da Almeida & Dale, assinou uma declaração para a Justiça na qual afirmava estar em posse das três telas, mesmo que não estivesse com elas. Pelo documento, datado de 2013, ele seria o guardião dos quadros —que deveria recomprar dos colecionadores para os quais havia vendido—, mas a propriedade das telas seria do espólio.

A ideia era que, quando a Justiça determinasse o leilão das obras desaparecidas, Dale teria preferência de compra para as que havia negociado. Mas isto não faz sentido, segundo o advogado da galeria, José Almeida, que argumenta que assim seu cliente teria que comprar as obras duas vezes —primeiro dos colecionadores, para devolvê-las ao espólio, e depois do leilão.

O advogado afirma que o galerista assinou o termo por conselho de seu advogado à época, Pedro Machado Mastrobuono, especialista em Volpi e hoje presidente do Memorial da América Latina. Procurado, ele não quis se manifestar.

Segundo Almeida, o sócio da galeria, as obras de Volpi são, nas suas palavras, como ações da Petrobras, não oscilam muito, caindo ou subindo em torno de 10%, sem mudanças radicais de valor ao longo dos anos.

Ele conta que as telas em 2006 foram comercializadas por R$ 200 mil cada, mas como a galeria só intermediou a venda, sem ter comprado os quadros para si, ela ficou com uma comissão de 10% a 15% do valor combinado da negociação das três telas.

Além disso, acrescenta Almeida, em 2006 não havia qualquer questão do espólio de Volpi em torno destas telas, que estavam disponíveis no mercado sem qualquer imbróglio.

Embora não se saiba qual será a resolução do caso, o inventário pode ser concluído sem a recuperação das obras extraviadas —elas ficarão de fora da partilha e, cada vez que uma tela for achada, o valor da venda pode ser dividido entre os herdeiros. “O problema não é só o Dale, são todos aqueles quadros lá atrás que desapareceram”, diz o inventariante.