SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pernambucana Ademara Barros vem conquistando espaço no audiovisual brasileiro após se destacar nas redes sociais com vídeos que ironizam estereótipos e denunciam a xenofobia com personagens como a “repórter sudestina”.

Criadora de conteúdo desde a pandemia, ela agora brilha em produções nacionais de grande alcance e personagens com mais complexidade. Seu trabalho mais recente foi em “Caramelo”, da Netflix, que se tornou o longa brasileiro de maior alcance global. No filme, ela interpreta a cozinheira Paula, que compartilha o ambiente de trabalho com o protagonista Pedro (Rafa Vitti).

Ela conta que o papel precisou ser adaptado, tornando a personagem que, a princípio, seria insegura e meio desastrada, em alguém forte e segura de si. Não sem motivos.

“Ela era a única mulher que cozinhava, que tinha texto. Então também tinha um lance de representar mulheres na cozinha e eu não podia, apesar do toque de humor, emitir qualquer insegurança nesse espaço extremamente machista”, conta Ademara ao F5.

Durante as preparações para o papel, ela teve aulas de cozinha com o chef Benê Souza, do restaurante Z Deli. Era preciso conhecer o universo de Paula, e deu certo. O sucesso do filme surpreendeu até a atriz. “Foi a primeira vez que fui tão reconhecida por um papel coadjuvante. Teve gente em Recife que me reconheceu só pela voz”, lembra.

O mergulho no mundo do personagem também foi um dos processos mais importantes para sua participação na minissérie “Pssica”, também da Netflix. “Foi a preparação mais intensa da minha vida”, admite. Ela interpreta Dionete, uma mulher paraense em situação de vulnerabilidade e dependência química.

A atriz conta que se apoiou em pesquisa sobre o vício em crack, principalmente em mulheres, para construir sua personagem. “Eu ficava mais tempo como Dionete do que como Ademara. Foi um processo de desprendimento total, inclusive da vaidade.”

A dedicação foi reconhecida pelo público. “Pssica” figurou no top 10 da Netflix em mais de 70 países, e a atuação de Ademara rendeu elogios. “Eu tinha medo de errar o tom. Existe uma desconfiança em relação a quem vem da comédia. Muita gente acha que a comédia é um gênero menor”, afirma.

O sucesso das duas produções consolidou um novo momento na carreira da pernambucana, que transita entre a criação de conteúdo e as produções audiovisuais como fonte de renda. Para ela, as redes sociais e o streaming se tornaram portas de entrada para artistas fora do eixo tradicional do Sudeste.

“Sinto mais preconceito no set do que do público”, diz. “Tem gente que acha que só pode ocupar certos espaços quem estudou em escolas caras ou veio de famílias com acesso. Para muita gente como eu, a internet é a única vitrine possível. É o que a gente tem para ser visto.”

A atriz acredita que essa atenção aos detalhes é parte de uma mudança mais ampla no audiovisual brasileiro. “O público está cansado de ver sempre as mesmas histórias. Ninguém se conecta com o Leblon mais”, afirma. “A gente gosta de se ver. O carioca é extremamente bairrista, adora ver histórias sobre o Rio e a cultura carioca. O pernambucano é do mesmo jeito.”

Esse olhar crítico sobre as dinâmicas do meio artístico também se reflete no modo como Ademara encara o humor —gênero que a projetou. “Quando você fala de um assunto tenso e coloca uma piada no meio, a pessoa desmonta e passa a te ouvir”, explica. “É uma forma potente de mostrar contradições.”

Ela cita um dos vídeos mais recentes, em que criou o “Homem Branco” como fantasia de Halloween. “Falar disso de um jeito engraçado talvez gere mais reflexão do que se eu dissesse de forma séria. O papel do comediante é olhar o mundo de um jeito que ninguém reparou.”

Hoje, aos 29 anos, ela tenta equilibrar a rotina das longas gravações longas à produção de conteúdo digital. “Eu amo fazer as duas coisas, mas é difícil. Quando tô no set, fico 12 horas por dia. Não dá para manter a frequência da internet. Antes eu me desesperava com o algoritmo, hoje não mais. Se o conteúdo for bom, ele vai chegar.”