SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O duelo nuclear entre Vladimir Putin e Donald Trump atingiu um novo nível nesta quarta-feira (5), com os Estados Unidos promovendo o lançamento de um míssil estratégico e o russo ordenando preparativos para a realização de um eventual teste com detonação de ogiva atômica.
Na semana passada, Trump havia reagido ao teste de dois novos modelos de armas anunciadas por Putin, o míssil de cruzeiro Burevestnik e o “torpedo do Juízo Final” Poseidon, ambos capazes de carregar ogivas nucleares e alimentados por reatores nucleares que lhes dão autonomia ilimitada na prática.
O objetivo principal do russo é asseverar o papel da Rússia de potência nuclear, nominalmente a maior do mundo e em paridade de capacidades com os EUA, e dizer que tem meios para driblar o escudo antimíssil dos sonhos de Trump, o Domo Dourado.
Com isso, pretende lugar privilegiado nas negociações sobre a Ucrânia, que foram reabertas por pressão de Trump, mas travaram.
Trump havia dito que retomaria testes com armas nucleares americanas em resposta ao que via como escalada da Rússia e da China, dona de um crescente arsenal atômico. Depois, se recusou a dizer se isso envolveria ou não a explosão de uma ogiva no subterrâneo, algo que os americanos não fazem desde 1992 e os russos, desde 1990.
Nesta quarta, o Comando de Ataque Global da Força Aérea dos Estados Unidos confirmou o lançamento de um míssil com capacidade nuclear Minuteman-3 desarmado. A ação foi notificada antes à Rússia, como é a praxe de lado a lado para evitar mal-entendidos.
O disparo foi realizado da base aérea de Vandenberg, na Califórnia no fim da madrugada desta quarta-feira (5, início da manhã no Brasil). Ele havia sido anunciado para a noite de quarta para quinta (6) na véspera, mas a unidade militar confirmou sua execução sem intercorrências sem explicar a mudança.
O teste, diz a Força Aérea corroborada por referências na área como a Federação dos Cientistas Americanos (FAS), está dentro da programação anual de ensaios para verificar a operacionalidade e precisão dos armamentos.
Já houve dois lançamentos neste ano, um em fevereiro e outro em maio, num total de mais de 300 na história do míssil. Isso não quer dizer que a política não tenha voz: Joe Biden adiou testes do tipo em 2022 para não sinalizar uma ameaça nuclear à Rússia durante o início da invasão da Ucrânia, por exemplo.
Poucas horas depois, Putin promoveu uma reunião com seu Conselho de Segurança, onde ouviu o ministro da Defesa, Andrei Belousov, afirmar que tudo indica que os americanos irão conduzir um teste nuclear subterrâneo.
De forma coreografada, o presidente então instruiu órgão governo a coletar informações e “fazer proposta no possível começo de trabalho de preparação de testes de armas nucleares”.
Putin conseguiu colocar o americano na defensiva, dizendo que irá reagir ao que ele fizer, deixando a conta da insegurança nuclear global em sua conta. Até aqui, os testes com as armas, assim como o do Minuteman, não envolvem ogivas ativas.
O temor de especialistas é uma nova corrida nuclear a quente, com detonações de outras potências. Reino Unido fez detonação em 1991, França e China, em 1996, todos antes de aderir a um tratado banindo a prática que nunca entrou em vigor pois não foi ratificado pelos países atômicos.
O Paquistão e a Índia ainda fizeram testes em 1998 e a Coreia do Norte, seis explosões de 2006 a 2017. Ensaios na atmosfera, sob a água e no espaço são vetados por um tratado vigente desde 1963, assinado por Moscou, Washington, Londres e Tel Aviv.
No caso americano, analistas torciam para que Trump aproveitasse um teste já programado do Minuteman ou do outro míssil do arsenal americano, o Trident-2 lançado por submarinos, para dizer que cumpriu sua ameaça. Como o modelo naval foi lançado em setembro, o próximo na fila é o da Força Aérea.
No domingo (2), o secretário de Energia americano, Chris Wright, disse à Fox News acreditar que Trump falava de “explosões não nucleares”, ou seja, testes nos quais todos os componentes para detonar uma ogiva são testados, mas não há a reação em cadeia final.
O departamento de Wright é quem conduz testes e produz armamentos nucleares, cabendo à Força Aérea testes de mísseis e bombas que carregam essas ogivas. A Casa Branca não comentou a afirmação do secretário, mantendo o suspense.
Em seu primeiro mandato, Trump também fez anúncios obscuros prometendo novidades no campo nuclear. Na prática, contudo, fez duas coisas principais: retirou os EUA de 2 dos 3 principais acordos de contenção de risco de uma guerra atômica e mudou a doutrina de emprego desses armamentos, na prática baixando a barra para usá-los.
O último acordo sobre essas ogivas, que está congelado pela Rússia em protesto pelas sanções devido à invasão do vizinho, vence em fevereiro. Putin propôs a Trump estender o tratado por mais um ano, o americano aprovou a ideia, mas nada aconteceu.
Como a Folha de S.Paulo havia adiantado a partir de alertas de navegação americanos, o Minuteman lançado percorreu os cerca de 6.700 km que separam o local do campo de provas Ronald Reagan, junto às ilhas americanas Marshall, no oceano Pacífico.
O modelo é o esteio da força lançada de silos terrestres dos EUA, com 400 unidades operacionais. Cada uma pode levar até três ogivas independentes, mas por força dos limites do Novo Start os EUA os equipam apenas com uma. A chamada tríade nuclear do país é completada pelos Trident-2 de submarinos e por bombas e mísseis de cruzeiro lançados de bombardeiros e caças.




