BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estuda a proposta de uma taxação mínima para todas as instituições financeiras, incluindo bancos e fintechs, com uma alíquota uniforme. A ideia tem a simpatia da área técnica do ministério.
A proposta foi apresentada pelo ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em entrevista à Folha de S.Paulo no fim de outubro, em que ele sugeriu uma alíquota de 17,5%. O modelo tem inspiração em dois projetos elaborados pelo time de Haddad: o imposto mínimo global das multinacionais, com taxação efetiva de 15%, e o tributo mínimo de 10% para pessoas de renda mais alta.
Uma emenda com a proposta do ex-presidente do BC foi protocolada pelo senador Carlos Portinho (RJ), líder do PL no Senado Federal, ao projeto do senador Renan Calheiros (MDB-AL) que aumenta a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) das fintechs.
Haddad falou sobre a proposta durante entrevista na semana passada, sem citar o nome de Campos Neto. “Até as fintechs fizeram uma proposta, vocês devem ter noticiado isso, para equalizar a relação das fintechs e dos bancos. Nós estamos avaliando para verificar”, disse.
Campos Neto, que hoje é vice-presidente do Nubank, defende o uso da chamada taxa de imposto efetiva (ETR, na sigla em inglês), que representa o percentual real de impostos que uma empresa paga sobre a sua renda tributável. Ou seja, o que efetivamente sai do caixa de bancos, fintechs, instituições de pagamento e outras empresas financeiras como pagamento de impostos.
Um auxiliar de Haddad avalia que o ex-presidente do BC, ao sugerir a tributação mínima, aponta que, no papel, os bancos estão sujeitos a uma alíquota de 45% de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL, mas na prática pagam muito menos.
Por outro lado, há uma avaliação na área econômica do governo de que não é justo que fintechs que já têm tamanho de banco, como é o caso do Nubank, paguem uma alíquota menor do imposto sobre o lucro.
A avaliação entre os técnicos é que a tributação pode ser positiva e fazer sentido se as alíquotas nominais das instituições financeiras forem uniformizadas e for implementada a alíquota efetiva mínima.
Outro técnico da Fazenda diz que a proposta pode corrigir distorções do sistema, desde que bem desenhada. Um dos desafios, segundo ele, é que a base de cálculo do setor financeiro é mais complicada, sobretudo em razão de diferimentos (postergação do pagamento) e uso de rendas não realizadas, em estratégias de planejamento tributário.
Se as fintechs estão apoiando a ideia do executivo do Nubank, os bancos reagiram à proposta, agravando o embate público. A disputa se acirrou quando o governo propôs igualar a taxação das fintechs à dos bancos. A medida foi derrubada pela Câmara, mas voltou a tramitar com o projeto do senador Calheiros.
O presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney, diz que a proposta de Campos Neto é casuística, para tentar embaralhar o jogo no momento em que o Congresso discute o tema.
“A proposta não conseguiria capturar e refletir a complexidade própria do modelo fiscal do setor bancário e financeiro”, diz Sidney. Para ele, a implementação seria inviável, uma vez que os fatores que determinam o cálculo do imposto são absolutamente distintos e incomparáveis entre instituições financeiras.
O dirigente da Febraban afirma que cada instituição financeira tem uma estrutura própria de custos e despesas, margem, lucro, rentabilidade e volume de deduções muito diferentes, tornando impossível padronizar uma tributação mínima.
“É bem conveniente para os porta-vozes da tese das fintechs comparar apenas a alíquota efetiva com bancos porque o que se enxerga, na taxa efetiva, é tão somente um resultado numérico maior que, a olhos nus, dá a impressão de pagarem mais impostos. O que não falam é que a alíquota efetiva é maior exatamente porque camufla a base tributável das fintechs, que não carrega deduções relevantes.”
Sidney rebate os números da Zetta, associação de fintechs que apontou que a soma da CSLL e do Imposto de Renda pagos pelas maiores fintechs foi de 29,7%, contra 12,2% pagos pelos grandes bancos em 2024. Segundo ele, o cálculo está errado e, pelos dados da Febraban, os quatro maiores bancos tiveram, historicamente, seus impostos oscilando entre 15% a 33%.
O presidente da associação, Eduardo Lopes, diz que a diferença entre os números ocorre pelo uso de metodologias diferentes. Na sua avaliação, como a proposta é inspirada na discussão do IR da pessoa física e das multinacionais, faz sentido para o governo e tem o potencial de gerar arrecadação também.
“A nosso ver a alíquota efetiva é a forma mais apropriada de buscar uma isonomia tributária”, afirma. “Se no fim do dia, um lado consegue usar de diversos artifícios para pagar menos, tanto faz a alíquota nominal.”
Lopes defende uma discussão aprofundada pelo Congresso e critica a tentativa de votação rápida do novo projeto do senador Calheiros. Para ele, os bancos estão “com seu oligopólio ameaçado e claramente tentando conter essa ameaça”.
“É um ato de desespero para frear a competição. Eu acho que claramente eles decidiram ir para o tudo ou nada nessa frente tributária como uma medida de conter a competição, que está crescendo”, diz.
Daniel Loria, da Loria Advogados, ex-diretor da secretaria extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, critica o modelo de tributação no Brasil, que conta com dois tributos sobre a renda das empresas, o IR e a CSLL, e permite a cobrança com alíquotas diferenciadas por setor financeiro.
Ele diz que a gradação da alíquota da tributação da renda corporativa de acordo com a atividade não existe em outros países. “Sempre fui partidário de alíquotas mais uniformes, aplicáveis a todo mundo, porque no final do dia, se aumentar a alíquota do banco, o que que acontece? Aumenta o preço. Duvido que, com os aumentos da CSLL, o banco tenha diminuído a margem.”
Para Loria, a origem da disputa entre bancos e fintechs está no modelo de tributação diferenciada. “Nunca imaginei que essa briga seria tão pública assim”, avalia. Ele sugere como resposta acabar com a diferenciação de alíquota e reduzir as exclusões de base de cálculo. “Fazer um pouco do que a gente fez com a reforma tributária.”




