SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Cinco membros de forças de segurança pública nacionais ouvidos pelo UOL divergem sobre a eficácia da megaoperação policial no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, que mirou o Comando Vermelho e tornou-se a mais letal do país, com 121 mortos.
“RESPOSTA NECESSÁRIA”, DIZ EX-COMANDANTE DO BOPE
Operação foi resposta legítima em áreas dominadas por facções criminosas, avalia ex-comandante do COE (Comando de Operações Especiais), do Bope. Para o coronel André Batista, que atuou até junho no comando de tropas fluminenses, diante de criminosos que “agem como Estado paralelo, aplicam lei própria e ditam regras, quando o Estado volta com força legal, é um recado claro: quem manda é o poder público”.
Impacto imediato “é real”, mas de curto prazo, diz. “O crime sente: diminui o estoque e a circulação de armas e drogas e enfraquece o controle territorial”, afirma Batista. Mas pondera: “O risco é o que vem depois: se o Estado se retira, o crime volta”.
“É preciso avaliar se o objetivo era prender ou confrontar”, acrescenta. O ex-comandante pondera ainda que o número de mortos na operação é muito alto, e o Estado precisa ser o primeiro a investigar a atuação das tropas para “não perder o controle da narrativa legítima”.
“Vitória não é tomar morro, mas o Estado permanecer nos territórios”, avalia ainda. Para Batista, o combate à criminalidade no Rio não se vence com ações isoladas, mas com “escola aberta, patrulha presente e bandido sem território para chamar de seu”.
“O desafio não é prender, é manter presença e ocupar. A longo prazo, a solução passa por inteligência financeira, controle de armas e política social. Nenhuma polícia do mundo sustenta uma guerra infinita. ”
“SIMBÓLICO”, DIZ CAPITÃO DO BOPE
Operação tem valor simbólico por demonstrar ação do Estado e tamanho do crime no RJ, afirma capitão veterano do Bope. Na avaliação de Paulo Storani, que comandou o Batalhão de Operações Policiais Especiais fluminense de 1994 a 1999, o número de presos e fuzis apreendidos durante a megaoperação da semana passada simboliza a dimensão da presença da criminalidade no Rio de Janeiro.
“É muito importante para que o Brasil e o mundo vejam o tamanho do problema no Rio, mas o mais positivo é o simbolismo: a demonstração da capacidade do Estado [fluminense] em agir independentemente do Governo Federal. ”
Ponto negativo da ação é a morte de 4 policiais, além dos 9 agentes feridos, avalia Storani. “Mas não considero ponto positivo a morte de criminosos”, ressalta. “Por princípio, a vida tem que ser valorizada, só que aqueles que escolhem o enfrentamento tem que arcar também com as consequências”.
“OPERAÇÕES SÓ AJUDARAM CV A EXPANDIR”, DIZ EX-POLICIAL
Rio “insiste” em operações ostensivas há três décadas, sem resultados permanentes e com maior poderio do crime. É o que avalia o ex-policial federal e civil Roberto Uchôa, doutorando da Universidade de Coimbra, para quem “o crime organizado cresce e fortalece na ausência, omissão e permissão do poder público”. “A cada operação há um aumento no poderio e na resistência às forças de segurança. Então, é evidente que não tem trazido resultados”, diz.
Para Uchôa, CV cresceu, expandiu para fora do país e diversificou controle territorial e “modalidades de lucros”. Ele cita venda de gás, controle de transporte alternativo, ligações ilegais de luz e internet e até “negociação para campanhas políticas”.
“Se for para trabalhar com ostensividade, e ela pode ser necessária, que seja para ocupar o território e libertar a população que vive sobre o controle da organização criminosa. O que não pode são essas ações pontuais: em que o Estado entra duas vezes por ano, causa confronto e sai. Isso não enfraquece de forma alguma a organização criminosa. ”
“UPP fracassou porque ela entrou só com a ocupação da polícia”, avalia. O especialista defende que só a permanência das forças de segurança, junto com políticas públicas, pode dar perspectivas de futuro para os jovens que são hoje recrutados pelas facções.
Ele vê “único ponto positivo” o alto número de fuzis apreendidos. Uchôa ressalta que é fundamental desarmar o crime e combater o seu poderio bélico, mas para isso é preciso evitar que as armas cheguem e elas costumam chegar de fora do país ou sendo desviadas das forças de segurança.
“A infiltração dessas organizações no Estado corrói a crença nas instituições, inibe a atuação de bons profissionais, fragiliza os instrumentos de fiscalização e repressão e facilita a participação das organizações em várias esferas legais e ilegais. Enquanto a gente não enfrentar essa corrupção de agentes públicos, nós não vamos mudar o cenário.”
Ele cita ataque a drones como exemplo da “capacidade das organizações de se adaptarem para enfrentar rivais e o Estado”. O combate a esse tipo de enfrentamento, diz ele, depende de trabalho liderado pelo Governo Federal em articulação com outros países.
Apesar da quantidade de armas apreendidas, outras ações foram mais eficientes sem qualquer disparo. É o caso da operação que prendeu o próprio Ronnie Lessa, relembra Uchôa. “Ele estava numa residência [de um amigo], onde foram apreendidos mais de 100 fuzis”. Em outro caso, lembra, a polícia apreendeu no aeroporto do Galeão mais de 60 fuzis que estavam sendo trazidos dos Estados Unidos.
“FRACASSO DO ESTADO”, DIZ INVESTIGADOR
Governo do Rio não pode falar em sucesso sobre operação que matou 4 policiais e mais de 100 pessoas, diz investigador. “Isso para além de todas as outras consequências para a vida da população da comunidade e do Rio”, diz Lívio Rocha, policial civil e professor de gestão pública da Acadepol paulista.
“Enquanto isso, força tarefa em São Paulo causou prejuízo para o crime organizado na casa do bilhão sem nenhum disparo”, acrescenta. A comparação é com a Operação Carbono Oculto, deflagrada em 28 de agosto pela Receita Federal em parceria com diversos órgãos federais e estaduaispara desarticular a infiltração do PCC em negócios regulares da economia formal.
“Diante de exemplos assim, é preciso dar um passo atrás e lembrar que políticas de segurança pública não podem ser focadas apenas em ações policiais de confronto.”
“DESPREZO PELA LEI” E “FALTA DE COMANDO”, DIZ CORONEL
“Essa matança toda, em poucas horas, demonstra descontrole das tropas”, ressalta coronel e ex-secretário. Em entrevista ao UOL News, José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, defendeu que “a crença de que, armando as polícias com tropas de guerra e fazendo operação atrás de operação, vamos cuidar da segurança pública do Rio é uma grande mentira”.
Para ele, operação demonstrou desprezo pelas normas e falta de comando das tropas no terreno. O especialista acrescenta que a “letalidade brutal” da ação demonstrou uma ineficiência operacional da polícia. E sobre os corpos recuperados pelos próprios moradores no dia seguinte à operação, ele ressaltou: “Aí está um enorme problema embaraçoso para o governo do Rio de Janeiro, (…) um dos mais dramáticos”.
“Qualquer perícia e análise mais fria e cuidadosa vai constatar equívocos, erros incríveis nessa operação.”




