FOLHAPRESS – É tão vasto o horizonte aberto por “O Agente Secreto” que mais justo será fatiá-lo. Ele é, entre outras coisas, um filme sobre cinema. Ele começa em 1977, quando “Tubarão”, o longa de Steven Spielberg, estava na cabeça de todo mundo. Os tubarões estavam na cabeça de um menino de cinco ou seis anos, filho de Marcelo Wagner Moura, o protagonista do filme.
O tubarão do “Tubarão” não era apenas um peixe. Ele matava suas vítimas. E, quanto mais é perseguido, maior, mais ameaçador, mais horrendo e furioso se torna.
Naquele ano, também, o Brasil já estava saindo da fase mais difícil de sua ditadura. Geisel já havia limpado o Exército dos militares mais sinistros. Nesse momento, Marcelo volta ao Recife a fim de viver, bem discretamente, numa comunidade de “refugiados” e para encontrar um documento de identificação que, de certa forma, pode comprovar para ele a existência de sua mãe.
A mãe não é sua única perda. Foi criado pelo avô e perdeu a mulher. Sua pesquisa, do tempo em que era professor universitário, foi roubada. Foi difamado por um industrial paulista e é ameaçado de morte por ex-militares, hoje dedicados profissionalmente ao assassinato. O filme explicará tudo isso e por que esses fatos aconteceram.
Como já se pode notar, estamos no território de “Tubarão”, de uma boca cada vez mais imensa que se abre para apanhar o que vier. Isso não começa na ditadura, mas no autoritarismo atávico do Brasil, nos assassinatos políticos, no roubo de reputações, no escravismo nunca encerrado. A diferença fundamental é que “Tubarão” se propõe como um longa de aventura e terror, enquanto “O Agente Secreto” é uma obra de mistério e terror.
Há mais cinema na história. O sogro de Marcelo papel de Carlos Francisco é projecionista do Cine São Luiz, em Recife. É também no prédio onde no passado existiu um cinema que Fernando, o filho de Marcelo, pratica a medicina. Num banco de sangue, isto é, um lugar onde o sangue não existe como perda jorro vindo de corpos mortos, mas como regeneração e vida ”O Agente Secreto” não é, afinal, um filme sem esperança.
O cinema, como se sabe, sempre foi um lugar de refúgio para fugitivos em geral como para namorados. E Marcelo, quando chega a Recife, logo no início do longa, vai para uma comunidade de pessoas que se dizem “refugiadas”.
A presença do cinema é, claro, apenas uma fatia talvez minguada da imensidade a que se abre o novo filme de Kleber Mendonça Filho. Ele não trata apenas da ditadura que começa em 1964 e vai até 1985, mas também de uma violência que ora é oficial, ora é particular, dos milionários e de seus capangas, da destruição de reputações e do roubo de ideias, do assassinato, dos policiais achacadores e dos antigos torturadores, depois assassinos de aluguel. Essa máquina infernal existia no passado e não deixou de existir no presente.
“O Agente Secreto” é o longa onde mais evidentes são as ressonâncias de “O Som ao Redor”. Assim como a moderna Recife é o lugar onde sobrevive a antiga exploração dos engenhos em “O Som ao Redor”, o Brasil é o lugar onde práticas iníquas se perpetuam sempre adaptadas às condições do presente.
E tudo isso é o que temos a deglutir, pouco a pouco, neste filme realmente imenso, com um elenco admiravelmente equilibrado em torno de um Wagner Moura assombroso.
Muito pessoalmente, devo dizer que nunca me comoveu muito o prêmio do júri que “Bacurau” ganhou alguns anos atrás. O prêmio foi dividido com “Os Miseráveis”, de Ladj Ly, que me parecia muito superior. Desta vez, Kleber ganhou o prêmio de melhor direção, o mesmo que Glauber Rocha levou por “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”. Não passa vergonha diante de seu predecessor.
O AGENTE SECRETO
– Quando Estreia qui. (6)
– Onde Nos cinemas
– Classificação 16 anos
– Elenco Wagner Moura, Gabriel Leone, Maria Fernanda Cândido
– Produção Brasil, França, Holanda, Alemanha, 2025
– Direção Kleber Mendonça Filho




