SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil tinha 34 mil crianças e adolescentes de 10 a 14 anos que viviam em união conjugal em 2022, segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quarta-feira (5).

A maior parte dessas crianças (86,6%) estava em uma união consensual —29,6 mil em números absolutos. Segundo o IBGE, a categoria engloba pessoas que viviam em companhia de cônjuge com quem não tinham casamento civil ou religioso união nem união estável registrada em cartório.

Os dados mostram que 7% das crianças e adolescentes nessa faixa etária com união conjugal são casadas no civil e no cartório. Outros 4,9% são casados apenas no civil; e 1,5%, somente no religioso.

A união de crianças e adolescentes afeta, com maior intensidade, a vida das meninas, que eram 26,3 mil (77%) dentre os casos de união estável de pessoas de 10 a 14 anos em 2022. Os meninos eram 7.804 (23%).

Dentre as meninas, 62% eram pardas e 27%, brancas. Pretas eram 9,2% dos casos e indígenas, 1,5%. Amarelas representavam uma parcela de 0,1%.

O casamento de adolescentes a partir de 16 anos é permitido pelo Código Civil brasileiro desde março de 2019 mediante autorização dos pais ou de autoridade judicial. Abaixo dessa idade, a união é proibida.

Até então, a lei previa duas exceções para o casamento de menores de 16 anos: em casos de gravidez e para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal.

Os dados divulgados pelo IBGE impedem mensuração de adolescentes de 15 e 16 anos que viviam em união estável. Isso porque esses casos estão inclusos na faixa etária de 15 a 19 anos do levantamento, que abarca jovens maiores de idade.

Esse grupo tinha um total de 1,1 milhões de pessoas em união na época do levantamento, sendo a maioria esmagadora vivendo em união consensual (88,9%). Somente casamento no civil é 6,2% e casamento no civil e religioso tem o patamar de 3,9%. Somente casamento religioso é 1%.

Para a advogada Mariana Zan, do Instituto Alana, o tema ainda é invisibilizado e pouco debatido. “O casamento infantil não é tido como um problema social. Ele é muito pouco falado e, justamente por isso, é socialmente aceito.”

A advogada lembra que, embora o casamento civil seja proibido para menores de 16 anos, a prática persiste em formas informais e é permeada por diversas violências. “Quando a gente fala de casamento infantil-juvenil, a gente também está falando de um problema social que envolve muitas camadas de violência, sobretudo violência de gênero. E isso traz consequências sérias para o desenvolvimento das meninas”, explica.

Entre os efeitos mais imediatos, Zan cita a evasão escolar e a gravidez precoce. “A partir do momento em que essas crianças se unem a um homem, elas assumem responsabilidades domésticas e acabam deixando a escola. Isso gera riscos maiores de infecções sexualmente transmissíveis, violência doméstica e dependência econômica. É um ciclo de vulnerabilização que começa cedo e se perpetua”, diz.

Ela destaca que, para muitas meninas, o casamento surge como uma falsa saída de situações de violência. “Muitas vezes, o casamento representa uma tentativa de ascensão social ou de fuga. Há meninas que se casam para sair de casa porque sofrem violência sexual do pai ou do padrasto. Então, esse fenômeno também reflete as desigualdades e as violências estruturais do país.”

Zan também aponta que o combate ao casamento infantil exige políticas públicas integradas e educação comunitária. “A gente precisa fortalecer o trabalho de educação junto às crianças, adolescentes e famílias sobre os riscos e consequências do casamento infantil. É fundamental desnaturalizar essa ideia de que é algo comum ou aceitável que uma menina de 12 anos esteja casada e cuidando de uma casa, quando ela deveria estar estudando e sonhando com o futuro.”

A advogada ressalta que o problema está na naturalização e na falta de responsabilização social. “Não existe vácuo legal, o casamento infantil é proibido. O que há é uma cultura de aceitação. A sociedade ainda não coloca crianças e adolescentes em primeiro lugar, como determina o artigo 227 da Constituição. Garantir direitos é dever da família, do Estado e da comunidade. E isso inclui garantir que nenhuma menina precise se casar para fugir de uma violência.”