MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – A delegação da Itália que participará da COP30, em Belém, deverá se concentrar em dois pilares: a adaptação climática e os biocombustíveis. Enquanto o primeiro é um tema levantado pelo país europeu há dois anos, dentro das reuniões do G7, o segundo é uma iniciativa lançada agora com o Brasil para ampliar a produção global de combustíveis sustentáveis.

Apesar de ainda não ter confirmado oficialmente se vai ou não participar da edição brasileira da conferência do clima da ONU, a primeira-ministra Giorgia Meloni, da ultradireita, não deve viajar para Belém. Se for assim, será a primeira vez que a premiê deixará de ir a uma COP, após três presenças seguidas desde quando assumiu, em 2022.

Segundo a imprensa italiana, a ausência de Meloni faria parte da decisão de diminuir os compromissos internacionais neste semestre. Também pode ter influência a posição do presidente americano, Donald Trump, negacionista da emergência climática, com quem Meloni tem afinidades ideológicas. Os Estados Unidos não vão mandar representantes a Belém.

“Essa COP se insere em um clima multilateral muito tenso. O fato de ir ou não ir é um sinal político da importância atribuída à questão climática e implica ficar fora de uma partida que, de um jeito ou de outro, será jogada”, diz Valeria Zanini, analista de diplomacia climática do Ecco, think tank italiano dedicado ao clima. “Ao não participar, o risco é não fazer parte da definição das regras do jogo.”

Os países que compõem a União Europeia, como a Itália, negociam como bloco em eventos como a COP. A indicação, por exemplo, da meta para redução de emissão dos gases que causam o efeito estufa (NDC) é feita unicamente pela UE, após acordo entre os membros. Como outros países, o bloco não cumpriu a obrigação de entregar sua NDC até setembro.

Internamente, na UE, a Itália tem demonstrado ressalvas em debates como a adoção da meta de cortar 90% das emissões até 2040 –a NDC é calculada até 2035 e será ligada a esse objetivo do bloco.

“Acreditamos que a melhor maneira de não atingir esse objetivo é continuar seguindo uma abordagem ideológica, que impõe metas insustentáveis e inatingíveis que prejudicam o nosso tecido econômico e industrial e enfraquecem as nações europeias”, disse Meloni durante comunicação ao Senado, em outubro.

Na ocasião, ao comentar a política europeia para o clima, a premiê usou termos como “maluquices verdes”, defendeu um “pragmatismo sério” e enalteceu os biocombustíveis como forma de aliviar impactos no setor automobilístico.

“Não pode existir só a eletrificação para o futuro do carro. Os biocombustíveis sustentáveis podem contribuir para descarbonização e devem ser permitidos para além de 2035”, afirmou.

Além das tratativas da UE em bloco, os países europeus participarão da COP30 individualmente em grupos de trabalho. Um dos temas prioritários da Itália será justamente os biocombustíveis.

Dias antes da fala de Meloni ao Senado, a delegação italiana na pré-COP, evento preparativo que aconteceu no meio de outubro em Brasília, lançou com o Brasil uma iniciativa que pretende quadruplicar a produção de combustíveis sustentáveis até 2035.

Chamado de Belém 4x, o plano busca impulsionar fontes energéticas como biocombustíveis, em substituição a combustíveis fósseis. A ideia é atrair outros países durante a conferência de Belém.

“A Itália participou realmente das negociações, não foi algo ao qual se uniu. Foi uma iniciativa em que teve um papel central”, afirma Zanini, a analista. Além de brasileiros e italianos, japoneses e indianos já anunciaram que devem aderir.

Os biocombustíveis fazem parte da estratégia industrial da Eni, principal empresa italiana de energia que atua com petróleo e gás natural. O governo italiano, por meio do Ministério das Finanças, é quem controla a Eni e investe, por meio da empresa, na produção de biocombustíveis em países africanos.

O tema é controverso entre ambientalistas. Parte das críticas é que o uso irrestrito dos biocombustíveis no lugar dos combustíveis tradicionais, especialmente no setor automotivo, acaba por atrasar a descarbonização. “A biomassa é um recurso limitado e deveria ser utilizada em setores em que não existem muitas alternativas ou que são difíceis de serem eletrificados, como produção de materiais e transportes aéreo e marítimo”, diz Zanini.

Outro ponto em que os representantes italianos vão se engajar em Belém é o eixo que trata de adaptação. Quando ocupou a presidência rotativa do G7, no ano passado, a Itália anunciou a ideia do Centro de Aceleração de Adaptação, lançado meses depois na COP29, em Baku.

Com foco em países em desenvolvimento e vulneráveis à emergência climática, o programa serve para ajudar governos a alavancarem suas adaptações climáticas, com apoio para executar planos nacionais de adaptação e transformar metas de redução de emissão em projetos prontos para receber investimentos.

A agência das Nações Unidas para o desenvolvimento (Pnud) atua como parceira, e os primeiros resultados devem ser apresentados pela Itália, em Belém.

É na área de financiamento para ações do clima que está um dos pontos fracos da Itália. Apesar de as contribuições atribuídas ao país terem aumentado nos últimos anos, de US$ 3 bilhões em 2021 (cerca de R$ 16,1 bilhões) para US$ 3,4 bi em 2023, relatório do think tank Ecco aponta pontos críticos.

Criado em 2022 com orçamento anual de 840 milhões de euros (cerca de R$ 5,2 bilhões), o Fundo Italiano para o Clima teve apenas um terço dos recursos alocados efetivamente utilizados, devido a atrasos na aprovação de projetos. Além disso, o país é um dos poucos que ainda não confirmou ou não cumpriu os próprios compromissos com o Fundo Verde para o Clima e o Fundo de Perdas e Danos. Na COP28, em Dubai, Meloni havia prometido contribuir com 300 milhões de euros para o primeiro e com outros 100 milhões de euros para segundo.

“As promessas anunciadas há dois anos não foram formalmente cumpridas, um caso único entre os países doadores, o que obviamente tem efeitos sobre a credibilidade italiana na COP”, diz a analista Zanini.