BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Apesar das críticas à mobilização militar dos Estados Unidos no Caribe, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discordou da Venezuela em um fórum internacional e afirmou que a presença de embarcações de guerra americanas na região não viola um tratado que proíbe armas nucleares na América Latina.
Além da divergência sobre a interpretação do tratado de Tlatelolco, a posição brasileira foi motivada pela própria aspiração do país de desenvolver um submarino de propulsão nuclear.
No fim de agosto, o regime liderado pelo ditador Nicolás Maduro apresentou uma queixa ao secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, contra o que chamou de política de assédio do governo Donald Trump à Venezuela.
Semanas antes, o governo Trump havia iniciado um deslocamento sem precedentes de forças militares para a costa venezuelana e outros pontos do Caribe, sob o argumento de combater cartéis do tráfico de drogas o republicano classificou esses grupos como “narcoterroristas”.
A inclusão na frota americana de um submarino de ataque movido a energia nuclear, o USS Newport News, motivou uma reclamação específica de Caracas. Para a ditadura, a presença de embarcações com propulsão nuclear desrespeitaria o acordo de Tlatelolco, assinado em 1967 pelos países da América Latina e do Caribe, que declararam a região livre de armas nucleares.
Por esse tratado, os países latino-americanos comprometem-se a usar material e instalações nucleares exclusivamente para fins pacíficos. Eles também proíbem, nos respectivos territórios, o ensaio, fabricação ou aquisição de qualquer arma nuclear, ou a recepção e armazenamento desses artefatos, mesmo que por “mandato de terceiros”.
Em nota publicada em agosto, o regime de Maduro disse que o deslocamento do submarino americano “constitui a primeira vez na história em que ativos militares com capacidade nuclear são introduzidos na América Latina e no Caribe”.
“Essa ação viola abertamente o tratado de Tlatelolco, instrumento que estabeleceu a desnuclearização da região e que também obriga os Estados Unidos em virtude dos Protocolos I e II desse tratado”, alegou a Venezuela.
Em 18 de setembro, Caracas levou a denúncia sobre a suposta violação do tratado de Tlatelolco à Opanal (Agência para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe), organização sediada no México responsável por supervisionar o cumprimento do acordo regional.
Durante as discussões, o Brasil se opôs à argumentação venezuelana e afirmou que o tratado não se aplica ao uso de tecnologia nuclear para a propulsão de embarcações.
“O governo brasileiro, no caso em questão, diverge da argumentação apresentada, pois o art. 5º do Tratado de Tlatelolco exclui da definição de arma nuclear ‘o instrumento que se possa utilizar para o transporte ou a propulsão do artefato’ […] ‘se é separável do artefato e não é parte indivisível do mesmo'”, afirmou o Itamaraty à Folha, em nota.
“O uso de energia nuclear para propulsão ou operação de qualquer tipo de veículo, incluindo submarinos e porta-aviões, na área de aplicação do tratado está, portanto, em conformidade com as normas de Tlatelolco”.
Ainda segundo o Ministério das Relações Exteriores, o tema deve voltar à pauta da Opanal na próxima reunião do seu conselho, ainda sem data definida.
O novo debate deve ser impulsionado pela inclusão do USS Gerald R. Ford, o maior e mais poderoso porta-aviões do mundo, no grupo de forças que operam na América Latina e no Caribe. A propulsão dessa embarcação também é nuclear, e ela deve chegar à região na semana que vem.
Além da mobilização naval, os EUA aplicam pressão contra a Venezuela de Maduro por meio do bombardeio de barcos em suas águas. Até o momento, morreram mais de 60 pessoas que estavam em embarcações no Caribe e no oceano Pacífico sob a justificativa de que transportavam drogas sem apresentar evidências disso.
A Opanal é atualmente dirigida por um brasileiro, o embaixador Flávio Roberto Bonzanini, indicado para o cargo de secretário-geral da organização ainda no governo Jair Bolsonaro.
Questionado pela Folha sobre como os diferentes países se manifestaram na reunião, ele não respondeu.
Por trás da posição do governo Lula está o interesse brasileiro em desenvolver um submarino de propulsão nuclear dentro do programa Prosub. Qualquer crítica aos americanos nesse aspecto enfraqueceria o pleito do país de dominar tecnologia semelhante.
Estimado em R$ 40 bilhões em valores atuais, o Prosub prevê a construção de quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear, batizado de Álvaro Alberto.
Nesta terça-feira (4), Lula afirmou que quer discutir a situação da Venezuela e o aumento da presença militar dos EUA na América Latina durante a reunião da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) com a União Europeia, marcada para os dias 9 e 10, em Santa Marta, na Colômbia.




