SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos responsáveis pela operação nos complexos da Penha e do Alemão que deixou ao menos 121 mortos, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, disse que o objetivo da polícia nunca foi prender os líderes do Comando Vermelho na área, quartel-general da facção.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Santos afirmou que o foco da operação era o cumprimento de mandados de busca e apreensão e de mandados de prisão para mapear e asfixiar a organização criminosa.

Delegado da Polícia Federal aposentado desde 2023, Santos voltou a negar que tenha havido emboscada ou massacre. Disse que ocorreu negociação para rendições e que alguns suspeitos se entregaram depois de asfixiados por gás.

O secretário não soube informar quantas horas de gravação a polícia dispõe, mas declarou que tudo será entregue ao Ministério Público.

PERGUNTA – O governo Cláudio Castro (PL) informou que essa operação foi planejada com antecedência de um ano. E os principais chefes do Comando Vermelho não foram presos. Por quê?

VICTOR SANTOS – Uma operação tem fases. Na investigação, quem fez o trabalho foi a Delegacia de Repressão a Entorpecentes, um ano de investigação. É quando se identifica as pessoas, as lideranças, as provas em relação a elas, os locais de busca e apreensão. A tecnologia é capaz de ajudar, porque usam rede de wi-fi, celular, e a gente consegue o georreferenciamento dessa rede.

No planejamento, você tem duas Copacabanas cercadas de barricadas. E o crime organizado coloca, além dessas barreiras físicas, contenções de soldados atirando. Para romper aquela barreira, leva um tempo significativo. Com 280 mil pessoas morando ali, isso traz um risco muito grande para a população de bem. A primeira premissa é segurança. Se não tiver segurança para os operadores e para a comunidade, não se realiza. O risco zero não existe. Mas isso é que a gente fala de previsível e não desejado.

Superou tudo isso, os criminosos têm comunicação. É hora de eu fugir. Eles têm rotas de fuga estabelecidas, muitas delas a gente não consegue pegar num trabalho de inteligência. É só no campo que você consegue enxergar esse cenário. São túneis –imagina uma casa em que você abre a porta, sai numa janela, que sai num corredor, que sai numa viela.

p. – Foi essa a rota de fuga dos líderes?

VS – Túneis com geladeira, com capacidade de o criminoso ficar ali uma semana, mantimentos. Isso no passado a gente já registrou. No Alemão e na Penha, a serra da Misericórdia é o ponto mais alto que separa todas as comunidades do complexo. Por isso colocamos os 96 policiais mais experientes nesse local.

Tínhamos dois objetivos: o cumprimento de mandados de busca e apreensão e mandados de prisão. Na busca e apreensão a gente busca informações interessantes para a investigação. Redes de wi-fi, acesso a arquivos de nuvem, mídia. Isso tem um valor muito significativo. A segurança pública no Rio sempre teve um foco que eu acho equivocado: olhar a criminalidade na figura do criminoso. Quem é o inimigo número um? É o Doca. O Doca é preso ou morto, entra o segundo. E entra o terceiro.

P. – Esse ciclo vai acontecer a vida inteira?

VS – Não.

Hoje o foco é o negócio. Se imaginar 280 mil pessoas, dividir a metade, 140 mil, pagando um plano básico de internet de R$ 100, temos R$ 14 milhões só de internet. Quanto de droga o criminoso tem de vender para faturar R$ 14 milhões? Então o foco nunca foi o criminoso. Eu quero os dados. A gente hoje tem informações de movimentações financeiras, que é o que vai dar efetividade a esse combate. Claro que numa fase ostensiva a gente tem que pensar nessa questão do confronto.

P. – Vocês definiram a operação como um sucesso. Mas não prenderam os líderes, houve recorde de mortes. O sucesso se deve a esses dados ou às mortes?

Não se comemora morte. A morte é o previsível, mas não desejado dentro do planejamento. A premissa é preservar vidas. Para a gente foi um sucesso, porque quantos inocentes foram mortos?

P. – Vocês dizem que só quatro [que não tinham ligação com o tráfico] foram baleados, fora os policiais.

VS – O criminoso e o policial é o previsível. E o inocente, o que o direito internacional diz do não combatente? Essas pessoas têm que ser preservadas. Olhando por esse aspecto, foi um sucesso.

Por isso a ideia de retirar o cumprimento do mandado de prisão para uma região diferente. Sabíamos, historicamente, que em toda operação eles fogem para a mata. O primordial é desestruturar aquela organização criminosa. Hoje a guerra é pelo território. O território é sinônimo de receita.

Quem definiu território foi o jogo do bicho. Vem a milícia usando a mesma metodologia, define território, mas explora todo e qualquer serviço. Por último, traficantes copiam. É um criminoso ensinando o outro.

P. – O governo negou ter havido massacre e emboscada. Sob qual argumento?

VS – Muro [do Bope] é um perímetro de segurança. Para evitar que eles avançassem. Temos imagens de criminosos encurralados em que foi usado gás, arma não letal, para retirá-los. E foram preservadas as vidas.

P. – Mães disseram que seus filhos queriam se render, em videochamadas diziam, “venham pra cá com a imprensa, a gente tem medo de ser morto”. Houve tentativa de negociação com os suspeitos encurralados?

VS – Esse caso em que jogaram gás foi emblemático, e tem tudo filmado pelo drone. O gás é pra desalojar o criminoso. Se fosse pra matar, matava todo mundo. O objetivo não foi esse.

P. – Esse escalonamento de violência de ambas as partes requer um controle externo maior. A falha das câmeras pode prejudicar esse controle?

VS – Não vejo falha nas câmeras. Até porque quem tem a missão constitucional de controlar é o Ministério Público. Que teve desde o planejamento com acesso às mesmas imagens. Tem alguns problemas, claro. Tem bateria que diz que funciona 12 horas e funciona 10. Agora não é só a câmera corporal, tínhamos imagens de drone, um helicóptero que estava focado.

P. – Quantas horas de gravação vocês têm? As imagens passadas à imprensa representam quanto desse total?

VS – Não faço ideia do tamanho do arquivo. Você imagina 2.500 policiais. A quantidade é muito grande.

Chama a atenção que, das imagens que vieram a público, só tem policiais sendo baleados…

Existem várias imagens, só que isso está à disposição do titular da ação penal, que é o Ministério Público.

P. – Mas então o sr. não sabe o número de horas de gravação?

VS – As câmeras oferecem pelo menos 12 horas. De drone tem um número maior. Só que às 22h daquele dia ainda tinha policiais tomando tiro na mata e tentando retirar feridos, criminosos que foram neutralizados.

P. – O sr. chamou de fake news reportagem da Folha segundo a qual, em registro de ocorrência, três policiais militares falaram que ouviram de chefes do Comando Vermelho que a operação foi vazada. Essa informação vai ser investigada?

VS – Vazamento é um investigado ter uma decisão judicial daquele processo na mesa dele. O resto é monitoramento. Pela natureza da operação, a necessidade que todos estejam de forma ostensiva na rua, você imagina quantas viaturas vão estar trafegando no Rio, quantos blindados.

P. – Mas como ter certeza disso sem investigar?

VS – Para haver uma investigação tem que ter justa causa. Não um policial que ouviu dizer num grupo de WhatsApp.

Relatório da Defensoria Pública diz que, na véspera da operação, moradores procuraram a Ouvidoria para dizer que não levariam os filhos à escola porque já havia orientação de que haveria operação.

Tenho que estar no local às 6 horas da manhã. Teve equipe que chegou lá muito antes disso. Você acha que eu tenho que avisar quando? Na hora? É em dias anteriores, dias. E eu mando documentos. Eu entendo que não houve vazamento. Os criminosos, líderes das facções, estavam lá.

Victor Cesar Carvalho dos Santos, 55

Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro atuou por mais de 20 anos como delegado de Polícia Federal e na instituição participou da coordenação de grandes eventos, como a visita do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio, em 2013. Também foi corregedor e superintendente Regional da Polícia Federal no Distrito Federal e comandou a Delegacia de Repressão a Entorpecentes no Rio de Janeiro