SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ampliação da licença-paternidade é o principal caminho para reduzir a desigualdade salarial entre homens e mulheres, segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo. Porém, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, que aumenta para até 20 dias o tempo em que pais ficarão com os filhos após o nascimento, é apenas um começo.
O ideal, dizem, seria a aprovação de uma licença parental, em que pais e mães tenham direito ao mesmo período de afastamento das suas atividades profissionais após nascimento ou adoção.
“Essa licença-paternidade ampliada é condição necessária, mas não suficiente para a transformação social que precisamos”, diz Rodolfo Canônico, cofundador da Coalização Licença Paternidade e diretor-executivo da ONG (Organização Não Governamental) Family Talks.
Estudos apontam que a maternidade é o grande diferencial entre homens e mulheres quando se tratam de desigualdades no mercado de trabalho. Pela proposta aprovada pela Câmara, a licença-paternidade subirá de forma gradual a partir de 2027, passando de cinco para dez dias, até chegar em 20 dias.
Paula Montagner, subsecretária de estatísticas e estudos do Trabalho do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), explica que licença-paternidade ampliada e adoção de licença parental são critérios considerados pelo ministério como justificativa para empresas que informam intenção de reduzir a diferença salarial entre empregados e empregadas.
Conforme a Folha antecipou, mulheres ganham 21% menos do que os homens nas 54 mil empresas com cem funcionários ou mais no Brasil, segundo o 4º relatório sobre remuneração do governo Lula, com base na Lei da Igualdade Salarial.
O percentual é levemente maior do que a média da América Latina, que está em 20%. Quando há diferença salarial, Paula diz que pede às empresas informações adicionais para entender a disposição e as ações para mudar o quadro. “Uma empresa com diferença [salarial] que tem ações para apoiar a parentalidade, concede licença-paternidade estendida, mostra que está buscando se modernizar.”
Rosana Silva, do Ministério das Mulheres, coordena ações para diminuir a desigualdade salarial entre homens e mulheres na empresa e diz que há companhias que já têm o afastamento de até 40 dias por nascimento ou adoção. Para ela, se boas práticas são possíveis em uma empresa, podem ser implantadas em outras.
A advogada Bárbara Ferrari, especialista em direito trabalhista e sócia do Ferrari Rodrigues Advogados, diz que, do ponto de vista do trabalho, a licença maior diminui o número de faltas de homens no início da vida de um filho, entre outros benefícios.
“Vejo como uma forma de possibilitar um convívio maior entre pais e filhos nos primeiros dias de vida. Em muito casos, há solicitação dos trabalhadores para comparecer em consultas de rotinas do bebê”, afirma, o que aumenta o absenteísmo.
Para ela, a ampliação da licença-paternidade é uma medida que tem como objetivo dar efetividade para a igualdade salarial e de gênero proposta pela lei 14.611/2023, que trata da igualdade salarial, mas precisa de mais iniciativas para se tornar realmente viável.
“Além da parte legislativa, é fundamental que existam políticas públicas e empresariais que garantam suporte adequado durante os períodos de afastamento”, diz.
Danilo Schettini, especialista em direito do trabalho e sócio da Advocacia Schettini, lembra que a discussão e a votação do projeto ganhou impulso direto a partir de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2023.
Na ocasião, os ministros reconheceram que o Congresso está em falta há mais de 40 anos por não regulamentar a licença-paternidade no Brasil. A corte deu prazo de 18 meses para que o legislativo aprovar lei ou o próprio STF fixaria as regras.
Galeria Homossexual consegue licença paternidade Homossexual consegue licença paternidade em PE https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/25956-homossexual-consegue-licenca-paternidade *** “Com o prazo expirado em meados de 2025, o Congresso agiu para cumprir a determinação e preencher esse vácuo legal”, afirma.
Para ele, a aprovação de medida interfere diretamente nas diferenças de gênero, melhora o vínculo entre pais e filhos, fortalece as famílias e regulamenta a legislação que estava pendente.
“A licença de apenas cinco dias reforça estereótipos de que o cuidado com os filhos é responsabilidade exclusiva das mães. Um período maior de afastamento paterno distribui melhor as responsabilidades e combate a discriminação de gênero no mercado de trabalho.”
REFLEXOS ECONÔMICOS
Canônico afirma que os benefícios para pais, mães, crianças e famílias vão além dos econômicos, mas, no longo prazo, se refletem na economia.
Também seria uma disposição das empresas de contribuir com a mudança social e diminuir a carga de cuidado das mulheres, além de não representar um custo financeiro tão alto.
“Trinta dias de licença é um afastamento que corresponde a um período de férias. Nenhuma empresa entra em colapso por conta de férias. Basta se programar. É algo comunicado com muita antecedência.”
A licença-paternidade maior poderá, ainda, beneficiar mulheres em dupla maternidade. Isso porque decisão do STF garantiu que, em casais com duas mulheres, uma delas tem direito à licença-maternidade e a outra deve cumprir apenas o afastamento previsto para pais.
COMO É A LICENÇA-PATERNIDADE NO BRASIL?
Segundo a advogada Verônica Irazabal, do Mauro Menezes & Advogados, a licença-paternidade tem respaldo na Constituição Federal, mas faltava regulamentação.
Ela afirma que o artigo 10 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) o afastamento do trabalho para pais por até cinco dias corridos, sem prejuízo da remuneração, e a lei 11.770, que criou o Programa Empresa Cidadã em 2008, acrescentou a possibilidade de que empresas ampliem o prazo por mais 15 dias em troca de benefícios fiscais, chegando a 20 dias.
Servidores públicos têm normas específicas e há decisões do STF ampliando o direito a licença para pais por motivo de nascimento ou adoção, especialmente para casais homoafetivos.
Em 30 de outubro, o STF uniformizou regras de licenças-maternidade e paternidade e adoção para servidores públicos civis e militares do estado de Santa Catarina. A decisão assegura afastamento em igual período e deve balizar o julgamento de outras ações no Supremo sobre o tema, envolvendo diferença de tratamento de funcionários públicos em outros estados.
Verônica acredita que não haverá questionamentos contra a lei na Justiça, já que o Supremo determinou a regulamentação, e diz que o Brasil está concretizando compromissos internacionais como a Cedaw (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança).




