BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – A população do pantanal e da amazônia experimentou no último ano o que pode acontecer caso o mundo não consiga limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação à era pré-industrial, como foi estabelecido no Acordo de Paris.
Dados do MapBiomas Atmosfera, nova plataforma da rede colaborativa coordenada pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), divulgados nesta quarta-feira (5), mostram que o pantanal registrou em 2024 temperaturas 1,8°C acima da média dos últimos 40 anos, e a amazônia, 1,5°C.
As temperaturas extremas são influência do aquecimento global intensificado pelo fenômeno do El Niño, diz a professora Luciana Rizzo, do laboratório de Física Atmosférica da USP e integrante da plataforma. Segundo ela, os dados validam a seca sem precedentes que os biomas enfrentaram no ano passado.
Na amazônia, trechos de rios e lagos secaram, deixando comunidades ribeirinhas sem locomoção e sem acesso a saúde e alimentação. No pantanal, a bacia principal registrou volume de chuva semelhante ao do semiárido, e as queimadas atingiram 17% do território.
“Isso é uma pequena amostra de eventos que vão ser, infelizmente, cada vez mais frequentes”, diz Rizzo. Ela explica que o dado é simbólico por chegar à média estabelecida pelo Acordo de Paris. Isso não significa, porém, que os biomas atingiram o limite previsto no acordo –o que só aconteceria se forem considerados também o prazo (até o final do século) e a constância (um ano acima da média não é o suficiente). “Não quer dizer que o acordo de Paris foi necessariamente violado. Mas dá uma amostra de como o planeta pode ser se o acordo for rompido.”
Na última década, a temperatura em todo o país tem se mantido acima da média do período analisado (1985-2024), segundo os dados da plataforma. O último ano, porém, foi especialmente quente, com maior valor de anomalia: 1,2°C. Além de amazônia e pantanal, os biomas da caatinga (0,7°C), cerrado (1°C), mata atlântica (1,2°C) e pampa (0,6°C) registraram aumentos em relação à média.
Entre os estados, Roraima, onde prevalece o bioma amazônico, registrou a maior variação, com 2°C a mais que a média. Amazonas e Mato Grosso do Sul (1,7°C) têm a segunda maior, e São Paulo e Paraná (1,5ºC), a terceira.
Já os três estados com a maior taxa de aumento de temperatura média no período, ou seja, um padrão de mudança que vai além de períodos isolados, foram Mato Grosso do Sul (0,4°C), Mato Grosso (0,36°C) e Piauí (0,34°C).
A temperatura vai continuar subindo, diz Rizzo. “A gente precisa construir resiliência para lidar com esses fenômenos climáticos”, afirma. Segundo o físico Paulo Artaxo, professor da USP, os últimos três relatórios do IPCC (painel científico da ONU) já apontavam essas tendências de aquecimento.
O relatório anual do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), lançado nesta terça-feira (4) aponta o mundo “na direção de uma séria escalada de riscos climáticos e prejuízos”. De acordo com o documento, as emissões em 2030 teriam que cair 25% em relação ao verificado em 2019 para segurar o aquecimento em 2°C no fim do século; e cair 40% se o objetivo fosse a marca original de 1,5°C.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, já havia afirmado no final de outubro que a meta global não será alcançada. Na próxima semana, a COP30, conferência da ONU sobre crise climática, começa em Belém (PA), onde os países devem discutir medidas para desacelerar o aquecimento e se adaptar a ele.




