RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – É preciso ouvir o preto no debate da democracia. Essa foi a conclusão dos convidados à mesa de conversa do lançamento do livro “A Palavra e o Poder”, nesta terça-feira (4), no Rio de Janeiro.

A economista e advogada Elena Landau foi quem cunhou a frase. Referia-se, inicialmente, a Preto Zezé, representante da Cufa (Central Única das Favelas), que afirmou a ela ainda não ter sido convidado pelos governos federal e estadual para conversar sobre violência e segurança pública desde a megaoperação que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro.

Para os debatedores, a democracia brasileira, aos 40, ainda não alcançou o preto e a população das favelas e periferias, gerando a sensação de abandono por parte do Estado e de ressentimento sobre a violência, além do uso eleitoral, por todos os lados, do assunto da segurança pública.

As pesquisas após a megaoperação Contenção apontaram que maior parte da população aprovou a ação.

“É bonito todo mundo falar que está faltando Estado nas comunidades. Mas é uma discussão eleitoral”, afirmou Landau.

Também participaram do debate a cientista política Argelina Figueiredo, a jornalista Dora Kramer e o sociólogo Muniz Sodré, os dois últimos colunistas da Folha de S.Paulo.

“Famílias no morro vivem com pai, mãe, filhas e o medo de que um traficante se engrace com uma dessas filhas. Esse tipo de emoção não está no discurso teórico da esquerda”, disse Sodré.

“Esse ressentimento do povo que apoia o banho de sangue é alívio também. É terrível dizer isso. Mas é verdade.”

O debate na livraria da Travessa, no Leblon, foi mediado pela jornalista Flavia Lima, uma das organizadoras do livro ao lado do repórter especial Naief Haddad e do professor e colunista da Folha Rodrigo Tavares.

A obra reúne 40 artigos escritos na Folha de S.Paulo ao longo das quatro décadas de democracia, acompanhados de outros 40 artigos inéditos, com comentários sobre os originais.

“Se a primeira lista reflete o panorama branco e masculino, a segunda foi concebida para tentar ampliar e diversificar o debate público. As mulheres representam 60% e, pessoas negras e indígenas, 40%”, afirmou Flavia Lima.

Os debatedores concordaram que o uso político da megaoperação no Rio era inevitável –o governador fluminense Cláudio Castro (PL) disse que a ação foi um sucesso, e o presidente Lula (PT), nesta terça, chamou-a de “matança”. Para Argelina Figueiredo, contudo, a linha do limite ético foi ultrapassada.

“Não são limites políticos. É difícil subir o morro com um mandado de prisão, eu sei que é difícil. Nós estamos, na verdade, numa sinuca de bico”.

A 11 meses das eleições de 2026, a jornalista Dora Kramer prevê uma disputa semelhante a de 1989, a primeira desde a redemocratização. A diversidade de pretendentes e a ausência de protagonistas, para ela, podem dar o tom do pleito para a presidência.

“Você tem vários nomes, todo mundo querendo. No centro, Eduardo Leite, talvez? Parte do povo do PSDB morreu, outra parte desistiu e outra perdeu as cordas vocais, como Aécio Neves. Bolsonaro está perdendo a relevância porque quis repetir o Lula, mas não é. O Lula lidera há 40 anos a moçada de esquerda. Bolsonaro tem 15 minutos.”

“Gastou-se demais e o Lula está fazendo de novo. Pode ser que dessa vez vire uma bomba do Riocentro e, se for eleito, estoure no colo dele. Fui contra o impeachment da Dilma porque achava que a Dilma tinha de ir até o fim com a sua experiência de irresponsabilidade fiscal -não que ela tivesse má-fé, é uma questão de modelo. O que angustia a todos nós é que esse modelo já deu errado”, afirma Elena Landau.

Debates de lançamento do livro já ocorreram em São Paulo e Brasília. Na programação estão eventos em Belém, no dia 12, e Lisboa, em Portugal, no dia 26.