SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O avião de transporte e reabastecimento aéreo KC-390, estrela das exportações militares da fabricante paulista Embraer, vive uma situação paradoxal na FAB (Força Aérea Brasileira), que pagou por seu desenvolvimento.

Por falta de verbas, a Aeronáutica estuda descartar 1 dos 5 aviões que tem operacionais, que sofreu danos estruturais durante um pouso na Argentina, o que se ocorrer deixará apenas metade de sua frota disponível para uso.

Neste ano, segundo o sistema de acompanhamento de execução orçamentária do Senado, apenas 31% dos R$ 520,7 milhões autorizados para a aquisição do KC-390 foram pagos. Apenas R$ 266 milhões foram empenhados, ou seja, de fato marcados para gasto.

Desse total, R$ 74,2 milhões já foram desembolsados em dinheiro novo, enquanto outros R$ 86,6 milhões gastos eram os chamados restos a pagar, empenhos de anos anteriores.

A falta de verba da FAB, que tem custos operacionais altos, tem virado assunto na discussão sobre formas de driblar o arcabouço fiscal. Com lobby do Ministério da Defesa, o governo Lula (PT) viu aprovado no Congresso um mecanismo para tirar R$ 5 bilhões anuais das restrições para dotar programas estratégicos dos militares, como o KC-390, o caça Gripen e as fragatas Tamandaré.

O atraso marca tais iniciativas, e no caso do avião de combate sueco a FAB procura alternativas, como a cessão de modelos antigos do mesmo aparelho para tapar buracos pontuais.

Já o KC-390, que no nascedouro em 2009 teve R$ 5 bilhões (hoje algo como R$ 9 bilhões, corrigidos ao longo dos anos) do governo aplicados em seu desenvolvimento, traz elementos mais dramáticos.

No dia 12 de setembro, conforme foi revelado pelo canal argentino Victor Defensa, um KC-390 voou de Ushuaia até a base do Brasil na Antártida para lançar provisões, como ocorre regularmente.

Na volta da missão, segundo a FAB informou por nota, “a aeronave realizou pouso sob condições de vento forte” e seguiu para o Rio com escala em Pelotas “sem intercorrências para as avaliações pertinentes”. Os detalhes do site, confirmados à reportagem por militares, são menos suaves.

Com o vento de cauda, o avião pousou “duro”, como o jargão diz, ou seja, com extrema violência. Segundo esses fardados, a perícia inicial feita por técnicos da Embraer Defesa na base do Galeão indicou que há rachaduras importantes na junção da asa e na fuselagem, que precisam de conserto e talvez substituição.

É um serviço caro, ainda que valores sejam sigilosos. Esse grau de detalhamento não é comentado pela Força ou pela fabricante. Em nota, a Embraer afirmou que “está apoiando o processo de investigação”.

Segundo a Revista Força Aérea, com informações também confirmadas à reportagem por pessoas com conhecimento do assunto, há o risco de o avião de matrícula 2859, recebido em setembro de 2024, se unir a outro danificado.

Também está no Galeão o KC-390 2853, que em 2021 foi danificado ao entrar numa tempestade de forma indevida, atingido por granizo. Ele fez alguns voos com limitações e hoje se encontra parado.

A reportagem questionou à FAB a condição do modelo e se ele está sendo usado como fonte de peças, a famosa canibalização, mas ainda não houve resposta.

Com outros dois KC-390 em manutenção, um deles desde o começo de 2024 na fábrica da Embraer em Gavião Peixoto (SP), a frota atual do modelo só está 50% disponível. Ao todo, o Brasil comprou pelo valor atualizado de R$ 13,5 bilhões 19 aviões, que só devem acabar de ser entregues na década de 2030.

A encomenda original era de 28 aeronaves, mas foi cortada em 2019, abrindo uma crise inédita entre a FAB e a Embraer, que nasceu estatal da costela dos militares e foi privatizada em 1994. Antes, o cronograma já havia atrasado por falta de recursos. As contas não fecharam, mas depois do ajuste a situação parecia normalizada —até agora.

É incerto se a nova dotação orçamentária, que deve ser sancionada pelo presidente, irá resolver a questão. O KC-390 é a maior aposta de defesa da Embraer desde o avião de ataque leve Super Tucano. Já foi escolhido por 10 países além do Brasil, sendo 7 deles integrantes da aliança militar ocidental, a Otan.

No ritmo de produção atual, a capacidade da fábrica brasileira, de 18 aviões/ano a todo vapor, pode se tornar insuficiente. A Embraer negocia linhas no exterior com países como a Índia e Arábia Saudita, mas isso depende de essas nações virarem clientes em grande escala do modelo, o que parece avançado no caso de Nova Déli.

O caso em Ushuaia também pode, como é costume no setor, levar a alguma atualização do software de controle de voo do avião, para evitar impactos exagerados em condição adversa de pouso. Questionada sobre isso e sobre detalhes do incidente, a Embraer não comentou.

Colaborou Gustavo Patu