BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Era uma possibilidade e, agora, virou certeza. O planeta vai exceder o limite de 1,5°C de aquecimento global, o paradigma do Acordo de Paris. Ainda é possível terminar o século com os termômetros de volta à marca acordada há dez anos, mas essa é uma tarefa cada vez mais complicada.
Relatório anual do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), lançado nesta terça-feira (4), às vésperas da COP30, em Belém, mostra um mundo com metas climáticas mais frágeis e um cenário político complexo para o enfrentamento do problema. E, na descrição da ONU, “na direção de uma séria escalada de riscos climáticos e prejuízos”.
As emissões cresceram 2,3% no último ano, alcançando um novo recorde, 57,7 gigatoneladas de CO² equivalente, e derrubá-las será um esforço sem precedentes.
As emissões em 2030 teriam que cair 25% em relação ao verificado em 2019 para segurar o aquecimento em 2°C no fim do século; e cair 40% se o objetivo fosse a marca original de 1,5°C. “Embora os planos climáticos nacionais tenham alcançado algum progresso, estão longe de ser rápidos o suficiente”, afirmou Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma.
“Ainda é possível, mesmo que a margem seja pequena. Já existem soluções comprovadas. Desde o rápido crescimento das energias renováveis baratas ao combate das emissões de metano, sabemos o que precisa ser feito. Agora é o momento de os países se empenharem a fundo e investirem no seu futuro com ações climáticas ambiciosas.”
O relatório aponta, no entanto, que apenas 60 signatários do Acordo Paris divulgaram suas NDCs (contribuições nacionalmente determinadas, na sigla em inglês) até 30 de setembro passado. Esse era o prazo pedido pela ONU para que os países divulgassem suas metas climáticas visando 2035.
Até a Europa, antes bastião normativo do setor, sofre para encontrar um denominador comum entre seus Estados-membros, mais preocupados em flexibilizar os acordos já existentes, pressionados por fatores da política e da economia domésticas.
Segundo os cálculos do Pnuma, a implementação de todas as NDCs reduziria as emissões globais verificadas em 2019 em cerca de 15% até 2035 -isso ignorando o fato de que os EUA abandonaram o tratado. Mais uma vez, o projetado está muito longe dos objetivos: a redução teria que ser de 35% para manter o planeta em 2°C; já o corte em 2035 deveria ser de 55% se a ideia fosse segurar o aquecimento em 1,5°C.
Os cenários pouco otimistas fazem o relatório concluir que a temperatura global excederá a marca de 1,5°C, mesmo que temporariamente. É o chamado “overshoot”, termo que já frequenta o debate climático há anos, mas agora ganha especial atenção: se já era complicado não deixar os termômetros subirem, como será fazê-los descerem.
“Não se enganem, qualquer período de “overshooting” trará consequências dramáticas, com vidas perdidas, comunidades deslocadas e desenvolvimento revertido”, declarou António Guterres, secretário-geral da ONU. “Temos, porém, soluções para tornar esse período menor e o mais seguro possível.”
Pelas NDCs atuais, o mundo chegará a 2100 com um aquecimento global de 2,8°C. O cenário é melhor do que o verificado no ano passado, quando a projeção chegava a 3,1°C. A comparação, no entanto, é enganosa. Pelo menos 0,1°C de redução se deve a atualizações metodológicas e ao menos outro 0,1°C se perderá com a saída dos EUA do acordo. Ou seja, as metas, na prática, não estão fazendo diferença.
Ainda que as diferenças pareçam pequenas, estudos mostram que apenas uma fração de grau Celsius já faz enorme diferença na frequência de eventos climáticos extremos. O acréscimo na temperatura global de 0,3°C verificado de 2015 a 2024 tornou dez vezes mais prováveis as ondas de calor na Amazônia, por exemplo.
“De quantos avisos precisamos? O momento é agora, mas nossos líderes estão adormecidos ao volante, em rota de colisão com tempestades devastadoras, como o furacão Melissa, sofrimento humano, danos econômicos e injustiça climática”, disse Jasper Inventor, diretor do Greenpeace.
“Os alertas sobre overshoot devem ser um chamado à ação”, afirmou o ambientalista.
O relatório do Pnuma faz alerta parecido e lembra que reverter 0,1°C da média global significa remover e armazenar cinco de anos de emissões planetárias, um eloquente recado para países e empresas que acenam com sistemas ainda caros e inviáveis no lugar de trabalhar com cortes de emissões e descarbonização.
Um cenário hipotético de “mitigação rápida a partir de 2025” analisado pelas Nações Unidas mostra o tamanho da tarefa. Para limitar o “overshoot” em 0,3°C e retomar o limite de 1,5°C até 2100, as emissões em 2030 teriam que cair 26% e as de 2035, 46%, sempre em relação ao verificado em 2019. E tudo isso com uma chance de sucesso de apenas 66%.
“Precisamos de reduções de emissões sem precedentes em um prazo cada vez mais curto”, dissee Andersen, sem esquecer dos complicadores, como “um cenário geopolítico cada vez mais desafiador”.
“É hora de os países do G20, sobretudo os desenvolvidos, assumirem o comando e realmente liderarem a transição, começando pela COP30, onde deve ser acordado um plano de resposta global para acelerar as ações”, ponderou Inventor. O grupo, responsável por 77% das emissões globais, adicionou 0,7% à conta apenas no ano passado.
EUA em rodapé
No lançamento do relatório, nesta terça, em Nairobi, Andersen contou que os EUA reclamaram da inclusão das metas do país no documento. “Consultamos todos os países durante a elaboração do estudo, mas eles nos procuraram apenas depois dos trabalhos encerrados. Colocamos a negativa deles em uma nota de rodapé”, declarou a diretora do Pnuma.
“Todos os relatórios do Pnuma são baseados em ciência e produzidos de forma independente, com rigorosa revisão por pares. São elaborados em consulta com amplos grupos de partes interessadas, incluindo os autores principais, revisores especializados, editores e os países envolvidos. Como mencionei, sempre oferecemos aos países diretamente citados a oportunidade de comentar as conclusões preliminares do relatório”, disse Andersen.
Na nota, o governo americano expressa sua descrença no processo e no próprio relatório. “A única razão pela qual incluímos a nota de rodapé foi o anúncio da saída dos EUA do Acordo de Paris”, explicou Andersen.
Antes mesmo de voltar à Casa Branca, no começo deste ano, Donald Trump anunciou a saída do país do tratado de 2015, a exemplo do que já havia feito em seu primeiro mandato. O estudo do Pnuma, porém, ponderou o impacto da ausência americana em parte dos cálculos.
RAZÕES PARA LIMITAR O AQUECIMENTO GLOBAL
**Cada fração de grau Celsius de aquecimento evitada tem impacto, mostra relatório da ONU**
– Reduzir a escala de danos, perdas e impactos à saúde que prejudicam a população de todos os países, notadamente os mais pobres e vulneráveis
– Reduzir a chance de o planeta alcançar pontos de inflexão climáticos, como o colapso da camada de gelo da Antártida Ocidental, e outros impactos que não poderiam ser revertidos mesmo que as temperaturas caiam no futuro
– Reduzir a dependência de métodos ainda incertos, arriscados e caros de remoção de carbono (CDR, na sigla em inglês)




